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Entrevistas diárias com pessoas de todas as áreas. Artistas, cientistas, professores, economistas, analistas ou personalidades políticas que vivem na França ou estão de passagem por aqui, são convidadas para falar sobre seus projetos e realizações. A conversa é filmada e o vídeo pode ser visto no nosso site.
Location:
Paris, France
Networks:
RFI
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Entrevistas diárias com pessoas de todas as áreas. Artistas, cientistas, professores, economistas, analistas ou personalidades políticas que vivem na França ou estão de passagem por aqui, são convidadas para falar sobre seus projetos e realizações. A conversa é filmada e o vídeo pode ser visto no nosso site.
Language:
Portuguese
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'Terrorismo é violência com fins políticos', diz pesquisador brasileiro 10 anos após atentados de Paris
11/15/2025
Dez anos após os atentados mais violentos da história recente da França, a ameaça jihadista continua muito elevada no país, segundo as autoridades de segurança francesas. Em entrevista à RFI, Gabriel Gama Brasilino, pesquisador convidado na Universidade Católica de Lille, explica que não se pode analisar o terrorismo sem levar em consideração o contexto histórico e político em que aconteceram os ataques.
Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris
O ministro do Interior, Laurent Nuñez, alertou na quinta-feira (13) que um ataque como o ocorrido em 13 de novembro de 2015 em Paris é menos provável, pois o serviço de inteligência e a cooperação das forças de ordem foram intensificados. Ao mesmo tempo, o grupo Estado Islâmico (EI), que assumiu a autoria na época, perdeu força internacionalmente. Porém, O ministro francês alertou que há pessoas no país que podem se radicalizar, principalmente entre os jovens.
Esse é o tema da pesquisa de Gabriel Gama, doutorando do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense e pesquisador convidado na Escola Europeia de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Católica de Lille, na França. Ele explica que a raiz do problema extrapola a questão religiosa e se transformou em uma questão de estratégia internacional e política de defesa.
“A violência terrorista tem essa particularidade de ser uma violência com fins políticos, embora as vítimas diretas naquele dia tenham sido cidadãos, a população civil de Paris, o alvo desse atentado era a própria República Francesa”, destaca.
À época, as Forças Armadas francesas atuavam na Síria. “O objetivo tático era causar terror, mas havia um objetivo estratégico ligado à guerra”, continua, citando a atuação dos militares ocidentais contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque, quando a França compunha a coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos.
Ele explica que a radicalização dos extremistas é uma questão complexa, mas que não é nova na França. O país vem lutando contra esses grupos armados não estatais desde a guerra da Argélia, de 1954 a 1962, o que deu ao país forte experiência para lidar com o terrorismo.
“No caso da guerra da Argélia, era a Frente de Libertação Nacional que cometia atos de terrorismo tanto no território argelino quanto no território francês, lembrando que a Argélia fazia parte da França naquele momento. Então, ali, e também um pouco antes, na guerra da Indochina, logo após a Segunda Guerra Mundial, os militares franceses estavam se deparando com essa nova modalidade de guerra. A guerra não era mais um fenômeno de dois exércitos posicionados no campo de batalha, como a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, mas começou a se transformar e os franceses precisaram lidar com esse novo inimigo”, observa. “Então, com certeza, o que aconteceu na Argélia, lá nos anos 1960, ainda é estudado em termos de doutrina, em termos de conhecimentos práticos de como lidar com esse novo inimigo, principalmente após os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos”, completa.
Atuação da França na África
O pesquisador explica que a política pública de segurança se faz com planejamento, com informação e avaliação periódica de erros e acertos. Ele cita, por exemplo, a Operação Barkhane, realizada pelos militares franceses contra grupos armados jihadistas na África, na região do Sahel e no Saara, entre 2014 e 2022.
Em 2012, uma minoria étnica independentista do norte do Mali começou a realizar atentados e a se associar a outros grupos, recebendo apoio de movimentos jihadistas da Al-Qaeda no Magrebe Islâmico e, posteriormente, também do Estado Islâmico no Grande Saara.
“Em 2012, o governo do Mali solicitou ajuda da França para combater esses grupos. Em 2014, essa parceria foi ampliada para a Operação Barkhane, incluindo os cinco países da região do Sahel: Burkina Faso, Chade, Mali, Mauritânia e Níger. A França estava engajada nessa luta contra o terrorismo jihadista, realizando operações diariamente, com o objetivo de...
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Precisamos 'sair do vício do petróleo’, diz presidente do Ibama na COP30
11/14/2025
País-sede da 30ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP30), o Brasil adotou transparência quanto aos seus planos de abrir novas frentes de exploração de petróleo: já no primeiro dia da Cúpula dos Líderes, o país assumiu suas contradições, ao mesmo tempo em que pautou o debate sobre o afastamento global dos combustíveis fósseis no evento em Belém.
Lúcia Müzell, enviada especial da RFI a Belém
O tempo dirá se a estratégia vai dar certo e, se no final de duas semanas de negociações, os 195 países conseguirão avançar no tema mais crucial para o combate ao aquecimento global. O anúncio da liberação dos testes da Petrobras na margem equatorial, a 170 quilômetros da costa amazônica, ocorreu apenas três semanas antes do início da COP.
"Está todo mundo na contradição. Está todo mundo aqui pedindo um mundo diferente, pedindo hidrogênio, pedindo energia limpa, mas é um mundo que ainda queima carvão, petróleo e uma série de coisas fósseis”, afirma Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), que esteve sob forte pressão do governo Lula para acelerar o autorização. "A gente precisa sair desse vício do petróleo”, apontou.
Com o acordo assinado, Agostinho defende um procedimento "rigoroso", após 11 anos de análises, testes e ações complementares, como a instalação de uma nova base de operações de emergência no Oiapoque, além da existente em Belém. "Todas as modelagens apontam que, em mais de 90% dos momentos, se tiver um vazamento de óleo, esse óleo vai para mar aberto em vez de vir para a nossa costa. Mas sempre existe risco”, reconhece.
Riscos seriam menores do que na região do pré-sal
O presidente do Ibama salienta que estes riscos são menores na foz do Amazonas do que em outras frentes de exploração petrolífera no país, como o pré-sal no Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo. "São muito mais vulneráveis a um acidente do que bloco 059”, disse, referindo ao ponto que recebeu a autorização para os testes, na margem equatorial.
No total, são mais de 200 blocos mapeados, onde a Petrobras pensa haver reservas de petróleo em águas profundas. O 059 fica no Amapá, a 500 quilômetros da foz do rio Amazonas.
"O pré-sal é muito mais próximo, e em acidentes naquela região, o óleo tende a vir para o litoral, por conta da corrente do Brasil. É diferente daqui da margem equatorial, que é a maior parte do tempo, as modelagens apontam que a maior probabilidade é que esse óleo vá para o alto-mar”, argumenta.
Ex-deputado federal pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro), Agostinho fez carreira como ambientalista e assumiu a presidência do Ibama no início do governo Lula. Ele destaca que o órgão federal dispõe de tecnologia avançada para monitorar o óleo em toda a costa brasileira: uma parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) permite detectar manchas "em quase tempo real", com imagens de satélite.
"Agora, durante a perfuração de pesquisa da Petrobras, a gente está exigindo novos simulados para a gente ir testando isso à exaustão”, complementa.
Transição energética lenta
Ao ser questionado sobre as incoerências do governo Lula nesta questão, salienta que a transição energética precisa ser acelerada no país e não está acontecendo na velocidade que deveria. "A gente tem hoje, no Brasil, 124 milhões de veículos, dos quais 70% são flex, mas só 30% estão usando álcool. Então, o problema também está com o consumidor”, apontou. "O consumidor, que podia estar usando um combustível limpo, não está.”
A COP30 em Belém traz estes temas para o debate nacional e poderá impulsionar avanços na conscientização ambiental dentro do país, constata. Mas Agostinho pondera que a grande frente de batalha do Brasil na transição ecológica é o combate ao desmatamento.
A devastação das florestas é responsável por 42% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa em 2024, após uma queda recorde de 10% em relação ao ano anterior. “Mesmo que a gente mude a matriz energética,...
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'Foi um desvio, não uma vida interrompida', diz brasileiro que sobreviveu aos atentados de 2015 em Paris
11/11/2025
Na semana em que a França presta homenagens às vítimas dos atentados de 13 de novembro de 2015, os mais violentos da história recente do país, a RFI conversa com sobreviventes do massacre. Naquela noite, há exatos dez anos, ataques jihadistas coordenados atingiram diversos pontos de Paris, deixando 130 mortos e cerca de 400 feridos. A data será marcada por uma cerimônia na quinta-feira (13), com a presença de convidados brasileiros que testemunharam os atentados na capital francesa.
Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris
No dia dos atentados, o arquiteto brasileiro Guilherme Pianca jantava com amigos no restaurante Le Petit Cambodge, um dos locais atacados pelos comandos terroristas. Ele visitava Paris pela primeira vez, graças a uma bolsa de estudos, e conta que hoje em dia tem sentimentos ambíguos em relação à cidade.
“Em 2015, eu estava viajando com um amigo que foi baleado no atentado. Tínhamos visto muito pouco da cidade e havia todo um planejamento. Eu tinha uma bolsa da Pró-Reitoria da USP para pesquisa e ia ficar um tempo visitando acervos e depois participar de um congresso. Não consegui fazer quase nada do que estava planejado, por motivos óbvios”, disse em entrevista por telefone.
Guilherme Pianca já voltou à França outras vezes, para depor nas investigações e para participar de eventos que a prefeitura organiza todos os anos para marcar a data. Desta vez, ele deverá estar presente à cerimônia do 10º aniversário, que será realizada na praça Saint-Gervais, onde será inaugurado o memorial às vítimas dos ataques de 13 de novembro de 2015, na presença da prefeita Anne Hidalgo e do presidente Emmanuel Macron.
“Estou um pouco ansioso. Mas é muito bom poder reconstituir essa parte da minha vida”, diz o brasileiro, que já veio a Paris em 2018 para fazer um exame psiquiátrico proposto pelas autoridades e, em 2022, após a pandemia, numa das cerimônias públicas. “É a chance de revisitar uma cidade que conheci de um jeito muito inóspito. Ninguém imagina, afinal, no terceiro dia de uma viagem, sobreviver a um atentado”, acrescenta.
“O trauma está sendo constantemente elaborado. Acho que é uma coisa que se dá no longo prazo, são várias camadas. Mas reconheço que existe um esforço bem grande da prefeitura e do próprio Estado francês em lidar com esse assunto”, avalia.
Lembranças de uma noite trágica
Em 13 de novembro de 2015, Guilherme Pianca estava com amigos no terraço do restaurante quando começou o tiroteio. “Não deu para entender muito bem o que era. Todo mundo se abaixou e eu consegui sair engatinhando e fui me arrastando até um supermercado”, conta. “Quando saímos, já havia muitas pessoas no chão, gritaria, pessoas muito assustadas”, continua. “No nosso grupo de oito, duas pessoas foram alvejadas. Elas sobreviveram, mas até serem encaminhadas para o hospital, foram momentos de grande tensão. Sem falar nos mortos naquela esquina. Foi bem extremo”, diz.
“Uma amiga foi atingida na mão e a bala atravessou perto do tórax, e o amigo com quem eu estava viajando foi perfurado e teve que tirar um pedaço do pulmão. Ele levou também um tiro na perna que o deixou com dificuldades de movimento por meses. Escapou por um triz mesmo. Foi uma loucura”, lembra Guilherme.
Perguntado sobre o que mudou em sua vida depois do atentado, ele diz que procurou estar mais perto de quem ama.
“Existe uma valorização maior do que é bom. Fiquei mais atento em estar próximo de amigos e da família”, continua.
“No ano passado, finalmente voltei para a vida acadêmica. Entrei no doutorado, mas com outro tema. Enfim, sinto que as coisas voltam aos trilhos, mas com um desvio. Não tenho o sentimento de vida interrompida, acho que houve só um desvio.” O brasileiro envia uma mensagem aos franceses nesse momento de luto nacional: “Procurar ser tolerante, amoroso, educado. Perseverar em valores humanistas e estar sempre se reconstruindo”.
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“Existe uma gratidão pela vida e respeito por quem a perdeu”, diz brasileiro sobrevivente dos atentados de Paris
11/10/2025
Em 13 de novembro de 2015, a França viveu os atentados mais violentos de sua história recente. Ataques coordenados atingiram diversos pontos da capital: o Stade de France, a casa de espetáculos Bataclan e bares e restaurantes parisienses. O massacre deixou 130 mortos e cerca de 400 feridos. Entre os sobreviventes estava o arquiteto brasileiro Diego Mauro Muniz Ribeiro. Em entrevista à RFI, ele compartilhou como foi viver essa tragédia de perto.
Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris
Naquela noite, Diego celebrava com colegas de universidade no terraço de um restaurante, quando foi ferido levemente por estilhaços provocados pelos disparos dos terroristas.
“Com o passar do tempo, consegui administrar e narrar os fatos com um pouco mais de tranquilidade”, conta, preferindo não descrever a cena do crime para evitar a emoção. “Eu estava fazendo uma pesquisa de mestrado, com bolsa de quatro meses na Itália, e iria passar três semanas em Paris, hospedado por um professor da USP. Naquela noite, o objetivo era uma confraternização entre colegas brasileiros, pessoas que eu nem conhecia ainda.”
O restaurante Le Petit Cambodge, no 10° distrito de Paris, foi a segunda tentativa do grupo, após não conseguirem mesa em outro local, já lotado. “Nós nos sentamos na calçada, numa esquina. Já havíamos terminado a refeição. Minha lembrança é de ouvir uns barulhos, mas sem entender muito bem do que se tratava.”
“Quando olhei para a direita, a cerca de 45 graus, vi luzes, mas não percebi que eram tiros na minha direção.”
A primeira reação foi se jogar no chão. Em seguida, Diego se levantou e correu. “Lembro que corri por muito tempo, até entrar em um supermercado, onde já havia outras pessoas. Perguntei o que estava acontecendo e confirmaram que eram tiros. É uma situação de estresse tão grande que você não consegue nomear o que está acontecendo.”
Sentindo um calor intenso na testa, ele foi ao banheiro e colocou um papel sobre o rosto. “Sangrava, mas era um corte superficial. Quando voltei à calçada, tudo estava diferente. Nenhuma mesa estava no lugar. Eram só estilhaços. As cadeiras e mesas estavam todas dispersas.”
Outros dois brasileiros também foram atingidos por tiros no mesmo restaurante. “A primeira estava na calçada recebendo apoio. Quando entrei no restaurante, vi o segundo.”
Homenagens às vítimas e sobreviventes
Os três brasileiros se reencontraram em eventos relacionados aos atentados. Todos os anos, a prefeitura de Paris organiza cerimônias solenes em homenagem às vítimas e sobreviventes nos seis locais atingidos pelos terroristas.
Nesta quinta-feira (13), para marcar os dez anos dos atentados, uma noite especial será organizada no centro da capital, com a presença do presidente Emmanuel Macron, da prefeita Anne Hidalgo, associações de vítimas e dos parisienses. O evento será transmitido pela televisão.
Na praça Saint-Gervais, próxima à prefeitura, será inaugurado o Jardim Memorial às vítimas dos ataques de 13 de novembro de 2015.
“Na França, as homenagens são extremamente sóbrias e silenciosas. É muito respeitoso. Fiquei muito emocionado na primeira vez que participei. Estamos bem, dentro do possível. Mas ainda é um processo longo para elaborar essa violência, que para mim soa como gratuita.”
Antes dos atentados, Diego nunca imaginou que poderia ser vítima de um ataque jihadista. “Não é o tipo de coisa que eu associava à Europa, e nunca vi nada parecido no Brasil.”
Apesar do tempo que passou, as lembranças permanecem e mudaram seus hábitos. “Desde aquela época, não me sento mais de costas para a entrada de nenhum lugar. Sempre imagino uma rota de fuga, um local onde possa me abaixar se algo acontecer — mesmo que seja em uma biblioteca.”
Diego passou por acompanhamento com um psiquiatra e um psicanalista para seguir em frente. Voltou a Paris três vezes para compromissos relacionados aos atentados, seja para dar depoimentos ou participar de solenidades públicas.
“Quando estou aí, me sinto bem. Não fico apavorado. Não...
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Fotógrafo francês expõe em Paris a tradição do bate-bola, figura icônica do carnaval do RJ
11/7/2025
Foi a partir de pessoas que conheceu no mundo do baile funk carioca que Vincent Rosenblatt foi apresentado aos bate-bolas, personagem tradicional e misterioso do carnaval fluminense, que representa toda uma parte pouco conhecida da cultura brasileira. Os homens fantasiados com extravagantes macacões e máscaras, que andam pelas ruas assustando os foliões, fazendo barulho ao bater as bolas no chão, viraram inspiração com fotos expostas em uma galeria de Paris.
Vincent Rosenblatt conheceu o Brasil em 1999, quando estudava na Escola de Belas Artes de Paris e foi ao país para um intercâmbio. Depois de nove meses, voltou à França para terminar os estudos, mas já com planos de retornar às terras brasileiras. Ao se lançar em projetos de fotografia em comunidades do Rio de Janeiro, teve um primeiro olhar sobre a cidade, tão dividida, mas de cultura tão rica.
“Escrevi um projeto, ‘Olhares do morro’, um ateliê de fotografia no topo do Santa Marta, em Botafogo, que rendeu frutos, com exposições na sede da Unesco em Paris, no ‘Encontros da fotografia’ de Arles, em 2005, no primeiro Ano do Brasil da França (...) e eu acompanhava jovens fotógrafos para, aos poucos, construírem seu olhar”, conta.
Foi a partir daí que, em 2005, ele foi, pela primeira vez, a um baile funk, experiência que descreve como uma epifania, e que rendeu uma de suas séries fotográficas: Rio Baile Funk.
“Eu vi a beleza, energia, moda, catarse que essa juventude carioca vivencia no final de semana. E eu pensei: isso é tão bonito, vai me ocupar por muito tempo”, disse.
Essa presença constante nos bailes das comunidades e o fato de oferecer suas fotos para os DJs, MCs e público, protagonistas do funk – que as expunham no Orkut, rede social da época, como ele conta, rendeu a Rosenblatt uma proximidade com figuras emblemáticas dessas localidades e um convite especial, que acabou por inspirar a série "Alucinação", dedicada aos bate-bolas.
“Epifania"
O fotógrafo conta que foi em 2007, quando um DJ o convidou, em um dia de carnaval, para a saída da Turma do Índio de Guadalupe, grupo tradicional de bate-bolas do subúrbio do Rio de Janeiro, que ele conheceu o personagem pela primeira vez.
“Eu tive outra epifania vendo essa outra camada da cultura e da arte carioca que eu totalmente ignorava e a partir desse primeiro encontro eu não parei de visitar mais turmas, de entender essa dinâmica, de receber mais convites”, contou.
Ele destaca que em 2016 fez a primeira exposição sobre o tema no Sesc de Madureira, quando convidou as turmas de bate-bolas a expor suas fantasias, suas máscaras e a dar palestras.
“Para se apresentarem como os artistas que eles são, com uma arte de rua, um street art carioca que gera uma exposição gigante. Assim nasceu uma aliança e eu vi a dinâmica afetiva e social, o mutirão, o fazer junto, desse esforço pelo desejo de arte”, contou.
“O que me chamou a atenção no bate-bola é que não é folclore, é uma reinvenção permanente através da escolha de cada um desses milhares de cabeças, [como são chamados] os líderes da turma, de escolher um tema, de uma história que vai contar. E essa beleza toda se perde depois do carnaval”.
Reviver as emoções da infância
Para Rosenblatt, o bate-bola é herdeiro de muitas influências, do Pierrot europeu às espiritualidades afro-brasileiras, passando pela cultura pop. No entanto, nada na Europa se assemelha a essa tradição.
“Existe uma evolução do sentimento do bate-bola, que quer seduzir e apavorar ao mesmo tempo. O bate-bola é um apreciador da sua arte e tem uma rivalidade, como em qualquer cena artística”, disse. “Mas não tem nada igual porque o bate-bola foge dessa repetição, ele é um mutante permanente, e é por isso que ele me interessa. E o público aqui [na Franaça] não tem essa cultura de rua que persiste no Brasil”.
Projetos futuros
Vincent Rosenblatt conta que no dia 14 de novembro será inaugurada em São Paulo, no Museu da Língua Portuguesa, a exposição coletiva Funk, um grito de liberdade e ousadia, que já...
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Pintora modernista do Brasil é resgatada por pesquisadora em livro após décadas de invisibilidade
11/5/2025
A jornalista, pesquisadora e escritora Mazé Torquato Chotil, baseada em Paris, resgata a trajetória da artista plástica Lucy Citti Ferreira, brasileira de formação europeia, cuja obra transita entre São Paulo e a capital francesa. No livro Lucy Citti Ferreira: a pintora esquecida do modernismo, Mazé revela uma artista autônoma, sensível e injustamente apagada da história da arte brasileira.
A artista plástica Lucy Citti Ferreira viveu entre dois mundos, o Brasil e a França, e construiu uma trajetória singular no modernismo brasileiro. Nascida em São Paulo, em maio de 1911, Lucy passou parte da infância e juventude na Europa, especialmente na França e na Itália, o que influenciou profundamente sua formação estética. Estudou nas escolas de belas-artes francesas e desenvolveu uma produção marcada pela sensibilidade, pelo rigor técnico e por um diálogo constante entre pintura e música.
Apesar de sua formação sólida e da atuação no cenário artístico paulista, Lucy foi, por décadas, relegada ao esquecimento. A jornalista e escritora Mazé Torquato Chotil, autora do livro Lucy Citti Ferreira: a pintora esquecida do modernismo, decidiu enfrentar esse apagamento histórico. “Ela era artista tal qual o Lasar Segall”, afirma Mazé, referindo-se ao pintor com quem Lucy manteve uma relação profissional e afetiva. “Segall dizia: ‘Ela não era minha aluna, era minha colega de trabalho’.”
Mazé explica que o desafio maior foi justamente falar de Lucy como artista autônoma, e não como musa ou sombra de Segall. “Quando ela volta ao Brasil, já era uma pintora formada, com diploma, com experiência europeia. Era uma profissional à part entière, como dizem os franceses.” A autora destaca que a pintura de Lucy e Segall compartilhava influências europeias e que foi [o escritor e figura-chave do Modernismo brasileiro] Mário de Andrade quem os apresentou, reconhecendo afinidades estéticas entre os dois.
A biografia escrita por Mazé é também um exercício de justiça histórica, especialmente no que diz respeito à invisibilização das mulheres artistas. “Como muitas outras, Lucy foi esquecida porque era mulher. Pintora, numa época em que isso não era permitido.” A autora lembra que mesmo nomes como Anita Malfatti e Tarsila do Amaral foram “desenterradas” apenas nos anos 1980, após décadas de apagamento.
O trabalho de pesquisa foi intenso. Mazé passou dias mergulhada no centro de documentação da Pinacoteca do Estado de São Paulo, onde Lucy deixou um acervo valioso antes de morrer. “Ela fez um testamento do material que tinha — arquivos, cartas, muitas telas — e doou à APAC (Associação de Proteção e Apoio à Cultura), com a condição de que fossem distribuídas a outros museus.” Hoje, obras de Lucy estão presentes em instituições como o Museu de Arte Judaica de Paris, o MUnA em Minas Gerais, e até em cidades como Bauru, ampliando o acesso à sua produção.
O resgate de uma artista apagada pela história e pelo mercado
Mazé conta que o processo de escrita envolveu “lapidar a matéria da memória”, expressão que usa para descrever o trabalho de reconstrução da trajetória de Lucy a partir de documentos, cartas e testemunhos. “Fiquei horas e horas lendo o material que ela doou. As cartas trocadas com Segall são muito interessantes, revelam não só a relação artística, mas também aspectos íntimos e emocionais.”
Um episódio marcante na vida de Lucy foi o escândalo envolvendo obras suas vendidas como se fossem de Lasar Segall, por valores muito superiores. Para Mazé, esse caso é emblemático do apagamento das mulheres na história da arte. “Isso me lembra, num espelho reverso, a relação entre Rodin e Camille Claudel. Claro que não é a mesma história, mas há paralelos e pensei sobre isso durante a escritura do livro”, conta.
A autora também destaca a relação de Lucy com Paris, cidade onde viveu sozinha, estudou, pintou e se afastou dos circuitos sociais. “Ela tinha um espírito poético, excêntrico, recusava os padrões da época. Pintou até um padre nu, viveu como quis.” Essa...
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Pesquisadora lança livro sobre influência do Brasil na música francesa do século 19
10/31/2025
Radicada em Paris, a pianista, pesquisadora e musicóloga brasileira Zélia Chueke acaba de lançar seu quarto livro, dedicado às influências e trocas musicais entre Brasil e França no século 19. Em entrevista à RFI, ela detalha o processo de pesquisa que deu origem à obra — fruto de uma investigação minuciosa baseada em inventários históricos, que revelam conexões surpreendentes entre os dois países.
A ideia da obra Quand le Brésil inspire la France (“Quando o Brasil inspira a França”, em tradução livre), publicada pela editora L’Harmattan, surgiu a partir de uma descoberta peculiar feita por Danièle Pistone, fundadora do Observatório Musical da França: uma lista de composições francesas da segunda metade do século 19 cujos títulos evocavam o Brasil. Inseridas em gêneros populares da época – como valsas e polcas – essas partituras revelaram nuances culturais que motivaram Zélia Chueke, diretora do Grupo de Pesquisa Músicas Brasileiras da Universidade Paris-Sorbonne, a desenvolver o que ela chama de “uma trama musical”.
“São peças que não têm necessariamente o interesse em termos de qualidade musical, nem foram peças que entraram para a história da música. Mas elas abrem um caminho e desvendam um cenário sociocultural”, explica a pianista e pesquisadora.
Zélia ressalta que foi graças à identificação de pequenos detalhes que pôde verificar o quanto a música brasileira influenciou a francesa no chamado “Século das Revoluções”. Elementos como títulos, imagens de capa e dedicatórias de partituras, revelam traços dos costumes da época, como “meninas de boa família que tocavam piano”, destaca, além de alusões ao imaginário do exótico, refletindo “o que os franceses pensavam que seria o Brasil”, observa a pesquisadora.
Histórias contadas por partituras
Ao longo da pesquisa, Zélia também identificou marcas da música brasileira em obras de compositores estrangeiros, como os italianos Joseph Fachinetti e Luigi Carvelli, além do norte-americano Charles Lucien Lambert. Este último é autor de uma peça que remete à cantiga popular “Cai, cai, Balão”, de Assis Valente – evidência de como elementos nacionais foram incorporados e reinterpretados fora do Brasil. “Cada partitura conta uma história diferente”, ressalta a musicóloga.
Ao estudar essas composições francesas, Zélia também se deparou com uma curiosa recorrência na França, em uma época em que as canções cívicas tinham grande relevância: muitas dessas obras evocam trechos do Hino Nacional do Brasil. Segundo ela, o ritmo marcante da melodia brasileira despertava o interesse de compositores estrangeiros.
Além de revelar conexões musicais entre Brasil e França, a pesquisa também conduziu Zélia a um mergulho na Paris do século 19 — uma cidade que, apesar das transformações, mantém traços facilmente reconhecíveis ainda hoje. Um exemplo é o trajeto entre a Rue Vivienne e o Teatro do Châtelet, no 1º distrito da capital francesa, caminho habitual dos professores e alunos do Conservatório de Paris daquela época.
No acervo de um dos espaços mais emblemáticos da cultura parisiense, Zélia localizou dois jornais especializados que, com frequência, faziam referência ao Brasil: La France Musicale e L’Art Musical. Para a pesquisadora, essas publicações desempenharam um papel importante na construção do imaginário francês sobre o país e podem ter influenciado diretamente compositores como Félicien David – autor da ópera-cômica La Perle du Brésil (“A Pérola do Brasil”), estreada em 1851.
“Essa foi a primeira ópera de Félicien David, que fez muito sucesso, que salvou o Théatre Lyrique, que enfrentava problemas para se manter. Entendemos que ‘La Perle du Brésil’ deve ter incentivado pessoas a olharem o que era o Brasil”, diz.
Mistérios a serem desvendados
Outros mistérios sobre a possível influência do Brasil nas composições francesas ainda permanecem sem resposta. É o caso do compositor Henri Duvernoy, autor da peça Première mosaïque du chant brésilien (Primeiro Mosaico do Canto Brasileiro, em...
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Margareth Menezes celebra 38 anos de carreira e reafirma o Afropop como linguagem viva da música brasileira
10/27/2025
Em pausa de suas funções como ministra da Cultura do Brasil, a cantora e compositora Margareth Menezes aproveitou as férias ministeriais para voltar aos palcos e celebrar os 38 anos de carreira. A artista, considerada a principal voz do afropop brasileiro, se apresentou em concertos na Europa.
Lizzie Nassar, correspondente da RFI em Lisboa
“Estar aqui em Portugal é sempre um prazer. Neste show, trago um pouco da minha história, músicas novas e referências a artistas como Gil e Caetano. É um conjunto de canções que descrevem o meu trabalho, a linguagem do afropop brasileiro e a sonoridade da Bahia”, afirma a cantora em entrevista à RFI.
Mais do que um gênero, Margareth Menezes define o afropop como uma linguagem musical — uma expressão que une ancestralidade e presente. “O afropop confirma que a ancestralidade está viva. Ela interage com o agora. No Brasil, essa presença vem dos ritmos trazidos pelos africanos, que geraram uma riqueza rítmica imensa para a nossa música popular”, explica.
Segundo a artista, o afropop representa um reconhecimento das raízes afro-brasileiras dentro da contemporaneidade. “Ser afropop é entender sua raiz, reconhecer a ancestralidade e agir na atualidade. É afirmar que essa linguagem existe e que o Brasil precisa assumir isso com naturalidade, como faz com outras tendências.”
“Ainda há resistência ao que vem da África”
Margareth lamenta que, ainda hoje, a contribuição afro-brasileira na cultura e na música encontre resistência. “Infelizmente, ainda estamos num mundo em que tudo que tem a palavra ‘África’ parece causar estranhamento. Como se a presença e o pensamento afro-diaspórico não pudessem fazer parte de uma sociedade moderna. No Brasil, ainda há uma luta grande nesse sentido”, diz.
Ela destaca, no entanto, uma nova geração de artistas que também se reconhece nessa linguagem, como Maju, o BaianaSystem e outros nomes que vêm ampliando o espaço do afropop nas plataformas e nos palcos.
Com 11 álbuns de estúdio e seis gravações ao vivo, Margareth tem revisitado sua discografia e disponibilizado suas obras nas plataformas digitais.
A cantora relembra que sua geração — ao lado de Carlinhos Brown e Daniela Mercury — herdou e transformou a energia criativa do tropicalismo. “Nós trazemos essa revolução tropicalista dentro da nossa maneira de expressar. Reconhecemos o legado dos blocos afro da Bahia, cruzamos as claves e reformulamos esses ritmos em cima do trio elétrico com uma banda pop”, explica.
“A ancestralidade não está no passado, ela cria o futuro”
Mesmo envolvida na gestão pública da cultura brasileira, Margareth Menezes reafirma que o palco continua a ser o seu lugar de celebração e resistência. “Estamos num ano de muitas entregas no Ministério da Cultura, mas cantar é a minha origem. A música é uma forma de me reconectar com a minha história e com o público”, conta.
Para o próximo verão, a artista planeja novas gravações e, claro, participação confirmada no Carnaval. “O afropop é o som do presente. A ancestralidade não está no passado — ela está viva, pulsando e criando o futuro. É isso que eu tento transmitir em cada música.”
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Maria Luiza Jobim canta Gainsbourg em Paris e prepara disco com o marido António Zambujo
10/24/2025
Paris foi uma das etapas da turnê europeia da cantora, compositora e produtora Maria Luiza Jobim. Filha mais nova de Tom Jobim, ela estreou nos palcos franceses em 19 de outubro na casa de shows New Morning. Com dois discos lançados, além de uma série de EPs e singles, Maria Luiza prepara um novo álbum, que terá, entre outras canções, "Go go go".
Miguel Martins, da RFI em Paris
Depois de lançar os discos Casa Branca (2019) e Azul (2023), Maria Luiza Jobim embarcou numa turnê por Portugal, Espanha, França e Inglaterra. Ao lado dela, o novo marido, o cantor português António Zambujo, também subiu ao palco em alguns momentos para dividir canções com a artista.
Após o show no New Morning, Maria Luiza conversou com a RFI e revelou que a turnê é um prenúncio de futuros trabalhos em parceria com Zambujo. Uma das faixas que deve integrar o próximo disco da cantora é "La Javanaise", clássico do francês Serge Gainsbourg, interpretado por ela e Zambujo durante a apresentação.
Maria Luiza Jobim canta em português e em inglês, idioma no qual foi alfabetizada. Ela costuma lembrar da época em que morou em Nova York, com seus táxis amarelos e arranha-céus que marcaram sua infância.
Nas letras, a artista também se inspira nos pequenos prazeres do dia a dia: os videogames da Nintendo, as séries na Netflix e até os aromas da cozinha, como o da clássica “sopa de letrinhas”.
Sobre o peso do sobrenome Jobim, ela garante que não se sente oprimida pela herança do pai. Hoje, divide a vida entre o Rio de Janeiro e Lisboa, onde mora com o músico português.
Nós temos planos de gravar no meu disco. O António vai participar cantando "La Javanaise", do Serge Gainsbourg. Eu venho de uma família muito musical. Então, é como se fosse uma continuação disso. É muito familiar para mim, natural e gostoso.
Questionada sobre essa nova etapa de sua vida entre o Brasil e Portugal, Maria Luiza Jobim diz que o país europeu “é como uma casa” para ela.
A série de shows que passou pela Península Ibérica, França e Inglaterra tem sido marcada por estreias e emoções. “É a primeira vez que eu toco em Madri, em Paris, em Londres... tem muita novidade!”, contou. “Está sendo muito pessoal também. Emocionante, claro, ter a presença do António comigo.”
Entre línguas e afetos
Sobre seu estilo musical, Maria Luiza prefere não rotular. “Definir a minha música, eu realmente não saberia dizer”, admitiu, rindo. “Para mim é muito natural transitar entre essas duas línguas. Eu vivi muito tempo fora, estudei em escola americana, falo inglês desde muito nova.”
A escolha do idioma, segundo ela, é sempre afetiva. “Não é uma estratégia. É sempre uma escolha. No lugar do afeto mesmo, da expressão e da busca da verdade nas coisas que eu escrevo.”
Apaixonada por línguas e pela cultura francesa, Maria Luiza revelou o carinho especial por Paris. “Eu sou completamente apaixonada por essa cidade. Consumo muito da cultura francesa.” Foi esse fascínio que a levou a regravar “La Javanaise”, de Serge Gainsbourg, em dueto com Zambujo. “Achei que ficaria bonito fazer um dueto com uma voz feminina, mais delicada.”
A artista reconhece o peso e a beleza do legado da obra de Tom Jobim. “Passei muito tempo sem tocar as músicas do meu pai, justamente para conseguir encontrar minha identidade artística.” Hoje, ela se sente mais à vontade. “Eu sinto que também tem muito de mim ali, da minha história.” E cita uma imagem que carrega com carinho: “Minha mãe uma vez falou que é a sombra de uma árvore frondosa. Você vive numa sombra, mas é uma sombra linda. Não é opressora. É uma sombra que inspira.”
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Marcelo Rubens Paiva lança tradução francesa de ‘Ainda Estou Aqui’ em Paris
10/21/2025
O roteirista, escritor, dramaturgo e músico Marcelo Rubens Paiva está de volta à capital francesa para lançar “Je Suis Toujours Là”, versão em francês de seu livro “Ainda Estou Aqui”, que inspirou o premiado filme de Walter Salles. A edição francesa, publicada pela Decrescenzo, se junta às traduções já lançadas na Itália, Espanha e Portugal, ampliando o alcance internacional da obra.
Luiza Ramos, da RFI em Paris
O lançamento acontece nesta quarta-feira (22) na Universidade Sorbonne Nouvelle, em um encontro literário organizado pelo escritor e professor de Estudos Brasileiros Leonardo Tonus. O evento contará com a leitura de trechos do livro em francês por um ator, e exemplares estarão disponíveis para venda.
“Ainda Estou Aqui” é um relato autobiográfico que entrelaça memória familiar e história política, tendo como eixo o desaparecimento do deputado federal Rubens Paiva durante a ditadura brasileira. O livro homenageia Eunice Paiva, mãe do autor, ao retratar sua coragem diante da repressão, sua determinação em retomar os estudos para criar sozinha cinco filhos adolescentes, e sua luta para provar que o marido foi assassinado pelo regime militar.
Tanto Leonardo Tonus quanto Marcelo Rubens Paiva avaliam que o interesse crescente do público europeu pela temática da ditadura militar brasileira está diretamente ligado ao avanço da extrema direita em diversos países e ao contexto atual de tensão democrática. “Na Europa, atualmente, muitos intelectuais têm sofrido cada vez mais pressões por alas de extrema direita e até censura por algumas alas partidárias”, afirma Tonus.
Marcelo complementa: “A ditadura no livro é um personagem com mais profundidade, com mais detalhes, com mais histórias. Ao mesmo tempo, o mundo está vivendo essa tensão, não só na Europa, mas nos Estados Unidos e na Argentina. Acompanhando todos os eventos que estão acontecendo no Brasil, que realizou de uma forma inédita um processo contra aqueles que tentaram um golpe contra a democracia, existe todo esse debate sobre o valor da democracia”.
Público jovem politizado
O sucesso da obra entre o público jovem universitário é notável. Tonus relembra o impacto do primeiro encontro com Paiva, realizado em março deste ano no mesmo campus parisiense: “Foi o ponto máximo na ocasião dos 48 encontros literários promovidos pela universidade no âmbito da Temporada do Brasil na França. Naquele momento também tinha relação com o filme que acabava de ganhar o Oscar. Foi um sucesso! Em apenas três horas, os 350 lugares foram esgotados”.
Marcelo acredita que essa identificação vem da força da narrativa familiar: “Eles são muito ligados no que está acontecendo, especialmente nas questões políticas. É um livro que fala de uma família jovem, uma mãe, um pai que desaparece, e cinco jovens, que, cada um à sua maneira, tentam viver em um período muito conturbado na nossa história. (...) E eu acho que os jovens se veem um pouco nessa família, uma família lutando diante de uma tragédia para superar e utilizando o ativismo político, inclusive como uma arma de superação e de luta”, disse à RFI.
Nome de rua na Itália
Na Itália, onde o filme de Walter Salles fez enorme sucesso desde a premiação no Festival de Veneza, em 2024, a tradução do livro em italiano já está na sexta edição. “A Itália é muito emocionada com esse filme, com esse livro”, contou Paiva, destacando a conexão afetiva com o país, reforçada pela descoberta da origem italiana de sua família, proveniente da pequena cidade litorânea de Polignano a Mare, na região da Puglia (sul).
Essa descoberta levou o prefeito local a organizar uma homenagem à mãe do escritor na próxima sexta-feira (24). “A prefeitura vai inaugurar a Via Maria Eunice Facciolla Paiva, e toda a família foi convidada para a cerimônia, exceto minha irmã Eliana, que não pôde vir”, contou.
“Também fomos convidados para abrir o Festival de Cinema de Bari, um dos mais importantes da Itália, que tem mais de 40 festivais espalhados pelo país. É uma região que...
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Em álbum de peças inéditas, Maria Inês Guimarães traduz o choro para músicos de formações variadas
10/20/2025
A pianista, compositora e musicóloga mineira Maria Inês Guimarães, uma das fundadoras do Clube do Choro de Paris e presidente do Festival Internacional de Choro, acaba de lançar um novo álbum de partituras, com composições próprias e que propõem uma ponte entre o piano solo, a música de câmara e os grupos de choro.
Adriana Moysés, da RFI em Paris
A ideia do álbum surgiu da prática cotidiana de Maria Inês com seus alunos de piano e nas oficinas de música de câmara, onde o choro brasileiro é presença constante. “Eu sentia que toda semana estava escrevendo como tocar o choro. É uma transmissão oral, mas o aluno que tem conhecimento teórico queria ver escrito”, conta. Foi assim que, aos poucos, foi reunindo anotações e decidiu transformá-las em um conjunto de sete peças autorais, “escritas de uma maneira clássica para piano, mas de maneira que a pessoa toque e soe já imediatamente brasileiro”.
O desafio, segundo ela, foi grande: “Colocar o choro na partitura, com interpretação, fraseado, articulação, tudo que vem de maneira intuitiva, pôr no papel, é muito desafiador, mas eu achei que valia a pena tentar a experiência.”
O álbum vai além do piano solo. Maria Inês pensou em formações variadas, abrindo espaço para a liberdade criativa dos intérpretes. “Quem quiser pode formar um grupo com qualquer instrumentista de qualquer área, que vem do jazz ou do clássico, e fazer um arranjo novo, que aí já não vai ser mais o que eu pensei; já é a música que cria a vida nova dela.”
Essa abertura ao novo faz parte de sua trajetória. Pioneira no ensino da improvisação livre na França, ela dirige há 20 anos um ateliê dedicado a essa prática. “A improvisação livre parte do som realmente, assim, puro, só um som. Não tem nenhuma linguagem, não é como no jazz ou no choro, que é onde tem um desenho, uma tonalidade, alguma coisa anterior à improvisação.”
'Paris é uma cidade chorona'
O choro, aliás, segue sendo uma paixão e uma missão. Uma das fundadoras do Clube do Choro de Paris e do Festival Internacional do Choro, Maria Inês celebra o crescimento do gênero na França: “Hoje em dia, Paris é uma cidade chorona, nós temos rodas, pelo menos três rodas por semana”, destaca.
O festival é a ocasião em que músicos do mundo todo se encontram para procurar uma informação segura com os grandes profissionais brasileiros que Maria Inês traz à França. “Isso nos permite também uma formação contínua”, sublinha. E completa com entusiasmo: “Hoje, a França é um país chorão.”
Entre os projetos mais recentes da pianista está o ateliê “Fábrica do Choro”, que acontece até 24 de outubro no Conservatório de Anthony, na região parisiense. Durante cinco dias, os alunos aprendem a tocar quatro peças por transmissão oral, “construir as harmonias e fazer os pequenos acompanhamentos, contrapontos rítmicos e melódicos”, culminando em uma apresentação coletiva na próxima sexta-feira (24).
A próxima edição do Festival Internacional do Choro já tem data marcada: de 27 a 29 de março de 2026, na Casa do Brasil, na Cidade Universitária de Paris. “São três dias sem parar. São seis concertos e 12 oficinas.”
Com sua atuação múltipla — como artista, educadora e difusora cultural —, Maria Inês Guimarães reafirma o choro como linguagem viva, em constante reinvenção. E como ela mesma diz, “a música cria a vida nova dela”.
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Atriz e dramaturga brasileira encerra turnê europeia na França com solo sobre colonização e natureza
10/20/2025
A atriz e performer brasileira Izabel de Barros Stuart está em Paris encerrando a turnê europeia de seu monólogo Le Sol(o) de la Canne à Sucre (O Solo da Cana), espetáculo que estreou no Brasil em 2023 e vem trilhando uma trajetória de sucesso. A peça passou por Portugal — em Porto e Lisboa — antes de chegar à capital francesa. O texto, escrito pela própria artista, parte de uma perspectiva inusitada: a cana-de-açúcar assume a palavra e narra, em primeira pessoa, sua experiência com a colonização.
Izabel explica que a ideia surgiu de sua reflexão sobre a temática colonial, já profundamente entrelaçada ao seu engajamento com o ativismo ambiental. “Fiquei procurando de onde vinha a voz que eu poderia expressar esses assuntos. Qual seria o lugar de fala dessa voz?”, conta. Foi então que se deparou com a paisagem de um grande latifúndio privado de monocultura de commodities, o que a levou a escolher a cana-de-açúcar como protagonista.
A escolha não foi aleatória. Segundo Izabel, a cana é uma commodity extremamente versátil e consumida globalmente. “Todos nós temos um pouco dessa cana já dentro de nós. Nesse sentido, achei que era um bom lugar para poder tocar as pessoas, já que de alguma forma todos nós já estamos contagiados”, afirma.
Para ela, o campo de monocultura é também um campo de colonização. “Essa paisagem da monocultura é um reflexo, um espelho de um pensamento. É esse pensamento que produz uma monocultura, e essa cultura estreita produz um tipo de paisagem que a gente percebe nesse tipo de cultivo — de uma só espécie, em larga escala, de forma repetitiva. Uma paisagem altamente narcísica. Mono.”
Com formação em dança, Izabel estudou na Universidade Paris 8, na região parisiense. A transição para a dramaturgia foi, segundo ela, uma verdadeira aventura. “Eu já escrevia, mas nunca tinha me atrevido a levar um texto meu a público. Mas quando comecei essa escrita, pensando sobre esses assuntos, senti que era um texto de voz alta”, revela.
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Na terra dos colonizadores
Engajada há anos com as questões ambientais e os desafios globais, especialmente a crise climática, Izabel sentiu uma urgência em dar voz a esses temas. “Foi de fato uma aventura experimentar isso, que é uma coisa que eu ainda não tinha feito. Escrever uma coisa... Depois que a gente traz o texto passando pelo corpo, traz ele à boca, já é uma outra dimensão. E de experiência mesmo. Foi fruto de uma urgência, de um atrevimento a partir de questões que para mim já estavam me movendo muito.”
A artista destaca ainda que o corpo carrega uma escritura própria. “Meu corpo já vinha com um repertório que, em contato com essas temáticas e com a própria paisagem — porque eu fiz uma imersão nesses territórios de latifúndio de monocultura —, isso chega no corpo. Essa pobreza de diversidade, essa monotonia, e essa violência com a terra e com as gentes que trabalham na terra, chega no corpo.”
Ao ser questionada sobre como tem sido falar de colonização na terra dos colonizadores, Izabel admite que "tinha um certo receio de qual seria a receptividade, como isso ressoaria na terra dos colonizadores. Ao mesmo tempo, é muito instigante esse movimento: a cana vindo de volta aqui na terra dos colonizadores.”
No entanto, ela relata que, pelo menos em Portugal — no Porto e em Lisboa —, encontrou um interesse e uma atenção muito grandes ao tema. “Tivemos retornos muito positivos. Isso me deixou bastante contente e animada para ver como será aqui em Paris. Mas percebi realmente um interesse, uma vontade de escutar essa versão da cana-de-açúcar sobre a colonização. Esse outro lado.”
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Em turnê europeia, Ney Matogrosso revisita cinco décadas de palco e anuncia disco com músicas de Angela Ro Ro
10/15/2025
Em entrevista exclusiva à RFI, Ney Matogrosso comenta a recepção calorosa da turnê europeia e o crescimento de um público jovem e diverso em seus shows. Ele fala sobre a longevidade artística, a relação com a plateia e revela seu próximo projeto: um disco dedicado a Angela Rô Rô, idealizado ainda antes da morte da cantora. Um encontro entre gerações, afetos e reinvenção contínua do eterno "Pavão Misterioso".
Márcia Bechara, da RFI em Paris
A entrevista com Ney Matogrosso, 84 anos, foi realizada após sua apresentação do show "Bloco na Rua" na casa de espetáculos Les Pyramides, na região parisiense, no domingo (12). O encontro marcou o retorno do artista à capital francesa, após passagens por Portugal e Suíça. Em conversa com a RFI, ele revisitou sua trajetória e revelou novos projetos.
RFI: Após o show, no final do bis, já encerrando o espetáculo, você disse: é "Olha, eu não esperava isso aqui hoje." Eu gostaria que você comentasse essa sensação depois do show em Paris.
Ney Matogrosso: Eu não esperava porque achei o público anterior, lá em Zurique, um pouco mais reservado — embora eles não tenham sido reservados comigo, não. Mas não era o tipo de reação que eu conheço. De repente, em Paris, eu vi uma coisa que conheço muito bem. Teve manifestações que eu não estava esperando que acontecessem ali.
RFI: Você demorou para voltar a Paris. Esse retorno tem a ver com o lançamento mundial da sua cinebiografia aqui na capital francesa, em maio?
Ney Matogrosso: Não tem um motivo específico. É preciso que haja pessoas interessadas aqui para me trazer, não é? Eu não acho que o show em si esteja ligado ao evento [lançamento do filme]. Mas estou observando o crescimento de uma plateia muito jovem — adolescentes e até crianças [depois da cinebiografia "Homem com H", dirigida por Esmir Filho]. E está acontecendo uma outra coisa também: em vários lugares onde fizemos o show aqui na Europa, vi pessoas pintadas, como eu me pintava nos tempos dos Secos & Molhados.
RFI: A Josephine Baker cantava: "J’ai deux amours, mon pays et Paris", "Eu tenho dois amores, meu país e Paris". Você tem uma história de amor com esta cidade?
Ney Matogrosso: Não, nada especialmente. Já vim muitas vezes. Fui muitas vezes ao festival de Montreux, que era na Suíça. Nessas vezes que vim a Montreux, também dava muitas entrevistas para pessoas da França. Fui a rádios francesas e tudo mais. Então, era assim: eu estava por aqui, aproveitava e fazia tudo que me solicitavam.
RFI: Você se apresentou na terra da 'chanson française', de Juliette Gréco, Françoise Hardy, Georges Brassens, Édith Piaf e tantos outros. Algum desses cantores, desse universo francês, já te inspirou?
Ney Matogrosso: Não sei te responder isso. Mas voltando à Josephine Baker: você sabe que, na primeira vez que fui a Montreux, me compararam a ela? Porque eu ficava quase pelado em cena, eu era um índio. Eles falavam que eu me parecia com a Joséphine Baker, com a Carmen Miranda. E eu dizia: "Gente, eu não tenho nada a ver com isso. Estou em outra história" [risos]. Mas eu entendia: para me compreender, eles tinham que me comparar com essas pessoas. Era o máximo que podiam informar a meu respeito. Eles precisavam etiquetar e catalogar em alguma referência.
RFI: São mais de cinco décadas de carreira, contando os tempos dos Secos & Molhados. Há uma evolução técnica, especialmente na questão da voz, que é impressionante em cena. Existe um trabalho por trás disso?
Ney Matogrosso: Para a voz, não. É ela que ainda está segurando o tranco. Agora, para o corpo, eu faço ginástica diariamente quando estou em casa. Eu tenho 84 anos, mas continuo dançando igual [risos].
RFI: E se transfigurando, atravessando gerações. Se você pensar bem, as pessoas que estavam nascendo quando você começou sua carreira hoje são pais e avós. Como você vê isso? Vi pessoas emocionadíssimas cantando músicas antigas e jovens no show.
Ney Matogrosso: Sim, eles adoram. A "Balada do Louco", por exemplo, eu cantei em 1983. Mas é uma...
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Duo in Uno, formado por violonista brasileiro e saxofonista italiana, lança primeiro álbum em Paris
10/13/2025
Duo in Uno é o encontro entre a saxofonista italiana Giulia Tamanini e o violonista brasileiro José Ferreira. Juntos, eles realizam turnês internacionais explorando um repertório que vai do clássico ao contemporâneo, passando por ritmos como choro, frevo, baião e outros. Após 14 anos de parceria, lançam agora o primeiro álbum em duo.
Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris
O repertório da dupla mistura música popular, erudita e jazz — um universo musical vasto, mas sempre com o Brasil como protagonista.
O álbum, intitulado “Nosso Canto”, reúne nove composições de nomes como Egberto Gismonti, Baden Powell, Edu Lobo, Chico Buarque, Hermeto Pascoal, Paulinho da Viola, entre outros.
“Essa é uma longa história de parceria, de música e de vida juntos”, diz José Ferreira. “Somos um casal, eu e a Giulia, há 14 anos, e temos muita experiência, muitas aventuras”, completa. “Neste álbum, fazemos um painel amplo de todas as músicas que adoramos — grandes influências da nossa trajetória”, acrescenta. “Tem repertório para quem gosta de jazz, para quem aprecia canção, e também música puramente instrumental”, resume.
Encontro em Paris
Giulia nasceu em Trento, na Itália, em uma família apaixonada por música. Começou a tocar saxofone aos oito anos de idade, antes de ingressar no Conservatório e aprofundar sua formação com artistas internacionais como Federico Mondelci, Fabrizio Mancuso e Jean-Denis Michat.
Em 2012, movida pelo desejo de aperfeiçoar sua arte, mudou-se para Paris para estudar. Na capital francesa, teve a oportunidade de colaborar com diversos artistas, entre eles o violonista brasileiro José Ferreira — um encontro marcante que deu origem ao Duo in Uno.
“Logo depois conheci o José, que me apresentou à música brasileira. Antes, eu conhecia a bossa nova, mas não muito da música instrumental”, conta. “Começamos a tocar juntos e a frequentar lugares onde se toca música brasileira, como rodas de choro e de samba”, completa.
As inúmeras viagens ao Brasil enriqueceram sua experiência e alimentaram sua paixão pela música brasileira.
“Na prática, temos bastante experiência tocando juntos, porque além do duo, também atuamos em outros grupos, como trios”, explica Giulia. “Acho que a alquimia vem desse laço de cumplicidade que temos”, destaca.
José Ferreira é natural de São Paulo e foi criado em Goiânia, onde começou a aprender violão de forma autodidata. Já morou em países como Argentina, Estados Unidos, Holanda e França — experiências que lhe permitiram descobrir novas harmonias e parcerias musicais.
Radicado em Paris desde 2005, José obteve seu diploma de concertista pela École Normale de Musique da capital francesa em 2008. Sua carreira e discografia refletem um músico versátil, que transita com facilidade entre formações solo, duo, trio e concertos com orquestra.
“O nosso duo surgiu antes do trio, mas trabalhamos bastante em trio”, explica José. “É importante dizer isso, pois já gravamos três álbuns nesse formato. Fizemos muitos concertos pelo mundo, e o duo foi existindo paralelamente, fazendo apresentações. Mas o projeto discográfico sempre esteve muito centrado no trio”, conta. “Agora surgiu uma janela de oportunidade e resolvemos aproveitar para realizar esse sonho antigo: nosso primeiro CD em duo”, comemora.
Além do trio com o violoncelista Pablo Shinke, Giulia e José já se apresentaram em Paris com o acordeonista Bebê Kramer. Também tocaram com outros grandes nomes da música brasileira. “Isso eu considero uma grande sorte, um presente da vida”, diz Ferreira. “Tivemos a oportunidade de conhecer pessoalmente músicos que admiramos, como Yamandu Costa e Zé Luiz Nascimento. Fizemos várias parcerias ao longo da vida”, continua. “Essa proximidade nos traz um reconforto musical e espiritual muito bacana”, acrescenta.
O duo costuma se apresentar no Brasil ao menos uma vez por ano, durante as férias de verão europeu. “Para nós, é muito importante esse retorno, porque tocamos música brasileira. Então, é muito especial se...
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Alckmin à RFI: ‘Brasil e Índia têm tudo para ampliar comércio e cooperação’
10/7/2025
Nos dias 16 e 17 de outubro, o vice-presidente brasileiro, Geraldo Alckmin, lidera uma grande missão empresarial a Nova Déli, na Índia. Enquanto renegocia os termos de sua relação com os EUA, o Brasil aposta na abertura de novos mercados. O indiano, embora não seja propriamente novo, tem grande potencial, por ser muito fechado, o que explica em boa medida o fato de as trocas comerciais estarem muito aquém do que deveriam.
Vivian Oswald, correspondente da RFI em Brasília
À RFI Brasil, Alckmin, que também acumula a pasta do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, destacou oportunidades no Complexo Industrial da Saúde, em especial, medicamentos — a Índia é um dos maiores produtores de genéricos do mundo, de biocombustíveis e SAF, a sigla em inglês para o combustível sustentável para a aviação. O vice-presidente também ressaltou os setores de aeronáutica, com a iminência de a Embraer abrir um escritório na capital indiana, defesa e tecnologia. Segundo Alckmin, a Câmara de Comércio Exterior, a Camex, aprovou a possibilidade de negociar a ampliação das linhas tarifárias com a Índia. Hoje, existem apenas 450 de cada lado.
Em 2014, o comércio bilateral bateu os US$ 11,5 bilhões. No ano passado, uma década depois, ainda não chegava a US$ 12 bilhões.
Esta é a quarta missão comercial comandada por Alckmin, depois de China, Arábia Saudita e México, antes de uma visita de Estado do presidente Lula.
Leia os destaques da entrevista:
RFI: Bom dia, presidente, o senhor acha que o contexto geopolítico e o fato de Brasil e Índia terem recebido as tarifas mais altas aplicadas pelos EUA, de 50%, aproximam os dois países? De que forma?
Geraldo Alckmin: Eu estou indo à Índia com o espírito de abrir mercado e aumentar o comércio. Nós podemos ter muita complementariedade econômica, investimentos recíprocos. A Índia é o país mais populoso do mundo, uma grande economia, das maiores economias do mundo. O Brasil é a maior economia da América Latina. Este ano, de janeiro a maio, nossas exportações para a Índia cresceram quase 15%, e as importações, mais de 31%. Então nós temos aí um comércio exterior em forte crescimento e vamos também preparar a viagem do presidente Lula à Índia, prevista para fevereiro do ano que vem.
RFI: Há apenas 450 linhas tarifárias de lado a lado, o que é considerado muito pouco para dois países do tamanho de Brasil e Índia. Onde há chances de aumento do comércio? Em medicamentos, eles são grandes produtores de genéricos, etanol, o programa da Índia tem crescido, assim como a mistura na gasolina, e petróleo. Por que eles importam muito da Rússia e somente 1% do Brasil?
G.A.: Olha, a Câmara de Comércio Exterior (Camex), ela aprovou a possibilidade de negociar a ampliação das linhas tarifárias com a Índia. Então, nós queremos aumentar o livre comércio. Nós temos mais áreas onde a gente possa chegar ao livre comércio. Áreas importantes de cooperação com grande potencial. Uma que eu destacaria é o Complexo Industrial da Saúde, especialmente o farmacêutico, que a Índia tem uma indústria farmacêutica muito avançada. Então, a cooperação em saúde é estratégica. A outra é biocombustíveis. Aliás, a produção de SAF (Sustainable Aviation Fuel), tem três países que têm um enorme potencial. Brasil, Índia e Estados Unidos. São os três que podem ser os campeões na produção do SAF, do combustível sustentável da aviação. A Índia está estabelecendo uma meta de 20% de etanol na gasolina. O Brasil já tem 30% de etanol na gasolina. E temos 15% de bio no diesel. Então temos um enorme potencial em biocombustíveis.
RFI: Que outros setores oferecem oportunidades para novos negócios, presidente?
G.A.: Também na área de defesa. Tem uma possibilidade boa de ampliação. Tecnologia. Enfim, o setor do agro é um setor importantíssimo, tem inúmeras oportunidades para fortalecermos o nosso comércio exterior e investimentos.
RFI: E que acordos podem sair desta missão empresarial?
G.A.: Olha, a Embraer, por exemplo, vai inaugurar seu escritório em...
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Em livro lançado na França, Dedê Fatumma compartilha experiência de resistência como lésbica negra
10/3/2025
“Acredito que as mulheres francesas poderão se identificar com as minhas vivências e, quem sabe, encontrar força em nossas histórias de resistência”, afirma Dedê Fatumma, a escritora e poeta baiana que acaba de lançar na França a versão traduzida de seu livro "Lesbiandade", agora intitulado "Le Lesbianisme", pela editora Anacaona.
Adriana Moysés, da RFI em Paris
O título, publicado na coleção francesa "A diversidade de vozes brasileiras", é um manifesto político, afetivo e teórico sobre a vivência lésbica, com um olhar especial para as mulheres negras. Dedê compartilhou, em entrevista à RFI, sua trajetória e expectativas em relação a esse novo público.
Ao ser questionada sobre como recebeu o convite para lançar "Lesbiandade" na França, Dedê não escondeu sua emoção. “Primeiramente, quando eu recebi a notícia, eu não acreditei. A Djamila Ribeiro, que é a nossa presidenta, me ligou falando que a Paula, a editora aqui na França, tinha gostado muito e que eu iria lançar.” Para ela, essa experiência é mais do que uma conquista pessoal; é um eco de resistência para outras mulheres negras.
Mestre em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo pela Universidade Federal da Bahia, Dedê também atua como assistente social em Salvador, focando na população LGBTQIAPN+ e nas discriminações que enfrentam no cotidiano. Em contato com essas populações, ela constata que as violências interseccionais de gênero, classe e raça reforçam a exclusão social.
A abordagem da autora sobre a lesbianidade vai além do que é normalmente abordado. "A lesbiandade não se restringe a uma identidade apenas. O fato de você ser negra e lésbica traz alguns atravessamentos na perspectiva política, econômica e social, interditando, inclusive, a sua existência", explica. "Quando a gente fala de mulheres lésbicas, não se restringe a quatro paredes, à orientação sexual, à questão afetiva", destaca. Segundo Dedê, no Brasil, as mulheres lésbicas enfrentam barreiras adicionais em sua luta por direitos e espaços de poder.
A realidade da discriminação
A escritora ressalta que a discriminação enfrentada por essas mulheres é complexa e multifacetada. “É muito fácil você andar nas ruas de Salvador e ver mulheres lésbicas que não performam uma feminilidade hegemônica, e que infelizmente estão fora do mercado de trabalho”, comenta. Para Dedê, essa marginalização é reforçada por uma estrutura patriarcal, que interage com outras formas de opressão, como o racismo e a desigualdade de classe.
A luta de Dedê vai além da simples narrativa; ela denuncia o que chama de “sistema cisnormativo”. “Sabemos que estruturas são constituídas por pessoas que violentam. Pessoas cisgêneras brancas que, infelizmente, são LGBTfóbicas e instituições racistas”, afirma. Ela critica a forma como a violência contra mulheres, especialmente as negras e lésbicas, é frequentemente deslegitimada, com abordagens do tipo: “O que você fez para apanhar?”
Um legado de resistência
Dedê reconhece que não está sozinha nesse caminho. “Eu não fui a primeira. Nossos passos vêm de longe. Estou falando de Valdecir Nascimento, Heliana Hemetério, Dai Costa, entre outras lésbicas negras. Meu livro fala muito sobre mim, mas também sobre essas mulheres que continuam nessa trincheira”, enfatiza.
A escritora também faz uma reflexão sobre os desafios contemporâneos. “Há uma corrente conservadora hegemônica que ataca os estudos de gênero. No meu livro, eu trago um capítulo que fala sobre rasurar as histórias mal contadas sobre nós”, revela. Para Dedê, construir narrativas contra-hegemônicas é uma tarefa difícil, mas necessária.
Uma mensagem para o futuro
Ao se dirigir às leitoras francesas, Dedê compartilha uma mensagem poderosa. “A teoria também acontece de outras formas, na música, na vida. A trajetória da mulher negra não é apenas lida, mas vivida.” Ela acredita que é crucial que as teorias não fiquem restritas ao espaço acadêmico, mas que se expandam para a vida cotidiana, trazendo uma nova...
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Médica brasileira apresenta em Paris estudo sobre aplicativo da OMS para diagnosticar hanseníase
10/1/2025
A dermatologista e professora de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Patricia Deps, é membro do grupo de assessoramento técnico do Programa Global de Hanseníase da Organização Mundial da Saúde (OMS), e vice-presidente do setor Américas da International Leprosy Association. No Congresso anual da Academia Europeia de Dermatologia e Venereologia, realizado em Paris de 17 a 20 de setembro, ela conversou com a RFI sobre um estudo que coordenou sobre a precisão de um aplicativo que usa a Inteligência Artificial (IA) para identificar doenças de pele.
A ferramenta foi lançada pela OMS em 2023 e já está funcional em versão beta. O objetivo, no futuro, é que os algoritmos da IA deste aplicativo detectem cerca de 20 doenças, entre elas 12 cutâneas consideradas doenças tropicais negligenciadas, como a hanseníase.
Deps coordenou a curadoria de um banco de imagens coletadas durante cerca de 30 anos, e a validação de algoritmos para verificar a precisão da tecnologia do aplicativo para diagnósticos. O trabalho foi realizado com o apoio de uma equipe de dermatologistas especialistas em hanseníase no Brasil, na Nigéria e com a parceria da OMS.
O resultado foi positivo, destaca a médica: “Os algoritmos performaram bem e houve espaço para retreino, porque eles podem ser retreinados e podemos guiar como isso pode ser feito, dizendo onde ele errou, para que ele melhore sua performance”.
Segundo Deps, o objetivo é que o aplicativo seja usado no mundo inteiro. O download dele já está disponível para smartphones, com versão em vários idiomas, atualmente com a função educativa, no aguardo do formato que incluirá os diagnósticos por meio da IA.
“Por exemplo, se você quer pesquisar sobre leishmaniose, o aplicativo tem um mapa da distribuição geográfica, aborda aspectos clínicos, oferece imagens das lesões. O objetivo é ajudar a população em geral e os profissionais da saúde”, diz.
Ainda na atual versão, o aplicativo conta com informações como formas de detecção de doenças, exames que podem ser feitos, medicamentos a serem utilizados, quais serviços hospitalares disponíveis, entre outros. “É uma ferramenta extremamente rica para o processo de educação em saúde. Quando for liberada a parte da Inteligência Artificial, também poderemos contar com esse suporte para diagnóstico”, destaca.
Desafio para especialistas e pesquisadores
Deps lembra que a hanseníase é endêmica em vários países e o Brasil é o segundo com o maior número de casos, ficando atrás apenas da Índia. “É uma doença extremamente estigmatizante com uma capacidade altíssima de causar incapacidades físicas e mentais”, diz. “
Conhecida por ser uma das doenças mais antigas da humanidade, seu agente infeccioso foi identificado em 1873 pelo dermatologista norueguês Gerhard Armauer Hansen. A patologia também tem um trágico histórico de marginalização, exclusão e segregação das pessoas afetadas por ela ao longo de séculos.
“Por isso, ela demanda um diagnóstico precoce e esse aplicativo vem exatamente com este objetivo: acelerar a detecção desta doença, principalmente em países com um número baixo de especialistas ou que têm pouco treinamento para profissionais de saúde reconhecê-la”, reitera.
Deps lembra que a hanseníase ainda é um desafio para a comunidade científica, apesar da evolução das tecnologias, pesquisas e tratamentos, como a poliquimioterapia instituída pela Organização Mundial da Saúde nos anos 1980.
“A gente não conseguiu ainda eliminar a doença do planeta”, lamenta. “Essa doença está presente em todo o território brasileiro de forma heterogênea. Mas ela é negligenciada pelo poder público, pelos próprios profissionais de saúde, porque a indústria não tem interesse de produzir medicamentos e testes de diagnósticos sofisticados, então a gente não consegue avançar tanto”, reitera.
A médica destaca as consequências de um diagnóstico tardio da hanseníase, entre elas, danos neurais irreversíveis, que muitas vezes acontecem simultaneamente às lesões cutâneas....
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Festival de Biarritz recebe 'O Último Azul', filme de Gabriel Mascaro premiado em Berlim
9/24/2025
Em cartaz no Brasil desde 28 de agosto, onde já foi visto por mais de 140 mil pessoas, O Último Azul, longa-metragem do diretor pernambucano Gabriel Mascaro, teve pré-estreia francesa no Festival de Cinema Latino-Americano de Biarritz, antes de entrar em exibição no país, em fevereiro do ano que vem. A RFI conversou com o cineasta no evento sobre o sucesso dessa produção, que ganhou o prêmio do júri no Festival de Berlim e foi apresentada, também, em sessões especiais em Toulouse e no Festival Brésil en Mouvement, em Paris.
Maria Paula Carvalho, enviada especial da RFI a Biarritz
Gabriel Mascaro conta que o longa-metragem já foi vendido para 67 países e está passando em mais de 80 festivais internacionais pelo mundo. O filme conta a história de Tereza, de 77 anos, personagem interpretada por Denise Weinberg, que viveu toda a sua vida em uma pequena cidade industrializada na Amazônia, até o dia em que recebe uma ordem oficial do governo para se mudar para uma colônia para idosos. Porém, ela se recusa a seguir a política de exílio forçado, como explica o diretor.
“É quase uma distopia. A gente criou uma alegoria de situações e tem até uma espécie de carrocinha de cachorro que leva os idosos embora para a colônia”, diz. “O filme tenta especular esse Brasil que tira os idosos da sociedade para que os jovens possam produzir sem se preocupar com os mais velhos. E, na verdade, termina falando sobre um sentimento de liberdade”, continua.
Protagonismo na terceira idade
O enredo também faz um alerta de que a vida não termina na terceira idade, quando muitos falam do fim. Ao partir em uma aventura sem rumo, a personagem Tereza acaba se redescobrindo. “Existem pouquíssimos filmes no mundo que falam sobre protagonistas idosos”, destaca Mascaro.
“Em geral, são associados a personagens lidando com a morte em estado terminal ou, às vezes, sobre nostalgia e sobre os gloriosos tempos que passaram e que não voltam mais”, acrescenta. “Esse é um filme sobre o presente. Ele olha para essa mulher que deseja e que pulsa, que transpira vontade de viver”, completa.
A Amazônia em foco
Além disso, o filme mostra para o grande público do cinema a força da floresta Amazônica, com as suas lendas, seu misticismo, e com a sua economia própria: uma vida que acontece de barco, em cima de passarelas, e que Mascaro fez questão de retratar.
“Eu queria fazer um filme sobre esse lugar, esse rio que você pode tanto se perder como se achar”, observa o diretor. “É um lugar quase mítico e um palco muito especial para acontecer essa fantasia, para olhar para a Amazônia de maneira diferente”, explica. “O filme começa em um frigorífico de carne de jacaré. Então, ele vai mostrando, de maneira muito singular, um Brasil que a gente não está acostumado a ver”, afirma Mascaro.
Ao longo da trama, o espectador é apresentado à sabedoria do "Caracol Azul", uma referência às medicinas da floresta. “Em um determinado momento, o personagem do Rodrigo Santoro pinga a baba do caracol no olho. Isso abre caminhos e torna possível ver o futuro”, ele explica. “É inspirado na fauna e na flora psicotrópica da Amazônia. Mas a gente preferiu criar o nosso próprio elemento, não quisemos usar nada que pudesse ser sagrado para algum povo indígena. A gente criou a nossa própria alegoria como uma inspiração do que já acontece”, diz o diretor.
O convite para a participação de Rodrigo Santoro aconteceu de forma natural. Gabriel Mascaro conta que o ator assistiu a seu filme Boi Neon (2015) e que o ator sinalizou o desejo de atuar em uma de suas produções. “Quando eu escrevi esse personagem, eu claramente pensei nele. E foi um carinho muito grande ver o Rodrigo Santoro aceitar esse projeto e o mergulho que ele deu no personagem. Foi muito bonito”, avalia.
Sucesso do cinema brasileiro no exterior
Gabriel Mascaro diz que não esperava um sucesso tão grande logo no lançamento de “O Último Azul”. O diretor também comentou o interesse renovado pelos cineastas brasileiros no exterior. “A gente...
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O Brasil e a ONU aos 80 anos: entre a esperança ambiental e a crise multilateral que trava o mundo
9/23/2025
A ONU está completando 80 anos, em meio a uma grave crise estrutural e financeira, entre guerras na Ucrânia, na Faixa de Gaza, no Sudão e outras partes do mundo. A participação do Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU), sua busca por maior influência, seu papel crucial nas pautas ambientais, os desafios que a organização enfrenta e a importância contínua da ONU no cenário global são temas centrais abordados pela historiadora Carolina Aguiar, professora no Instituto de Relações Exteriores da USP.
Patrícia Moribe, de Paris
“A ONU foi criada no final da Segunda Guerra Mundial com o objetivo de manter a paz e evitar conflitos de dimensões globais, tendo sido bem-sucedida em prevenir uma guerra direta entre as grandes potências”, explica a especialista. O Brasil se destaca como um dos 51 membros fundadores da ONU em 1945, evidenciando seu compromisso com a organização desde o princípio. “Desde 1947, o país tem a distinção de ser o primeiro a discursar na Assembleia Geral da ONU, um fato simbólico que lhe confere uma certa voz na organização".
Apesar de sua atuação e projeção, o Brasil tem uma "histórica reivindicação" por uma participação mais ativa no Conselho de Segurança da ONU, composto por cinco membros fixos (China, Reino Unido, Estados Unidos, Rússia e França), que detêm o direito de veto, além de membros rotativos. No entanto, a modificação da Carta da ONU para ampliar o número de nações com assento no Conselho é um processo "bastante burocrático e improvável", exigindo a aprovação de dois terços dos votos dos países-membros e a concordância do próprio Conselho de Segurança, um cenário que parece "muito improvável", para a historiadora.
Aguiar levanta dúvidas sobre a eficácia de uma ampliação do Conselho no formato atual, citando a situação na Palestina como um exemplo claro da paralisia causada pelo veto de países aliados, especialmente os Estados Unidos, que são parceiros históricos de Israel, e que têm agido como um "grande entrave" para qualquer ação mais efetiva da ONU em certos contextos.
Os vetos cruzados no Conselho de Segurança impedem ações eficazes em crises como as do Oriente Médio e da Ucrânia. A ineficácia da ONU em conflitos, como os de Gaza e em outros locais como Nagorno-Karabakh, Sudão ou Níger, tem gerado desconfiança e questionamentos sobre sua relevância.
Brasil no protagonismo ambiental
Em um dos pilares mais urgentes da agenda global, o Brasil é reconhecido como um "país-chave" para as questões climáticas e o desenvolvimento sustentável, devido principalmente à vasta porção da Amazônia em seu território, explica a historiadora. A relevância do país é demonstrada por receber conferências da ONU, como a Rio 92, e pela preparação para sediar a COP 30, o que indica que o Brasil é visto como essencial para "atingir os objetivos climáticos e relacionados a um desenvolvimento sustentável".
Carolina Aguiar observa uma "certa descrença no papel da ONU", que ela associa a uma crise generalizada de organismos multilaterais e à ascensão da extrema direita. Existe uma preocupação real com a potencial saída dos Estados Unidos – que historicamente é o maior financiador da organização – de instâncias da ONU, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), e de acordos como o de Paris.
Apesar deste panorama desafiador, Aguiar ressalta a importância de ainda "reivindicar esse espaço da ONU", que permanece um "lugar de encontro, de diálogo e um lugar de desenvolvimento de programas fundamentais". Ela menciona o papel crucial da OMS na pandemia de Covid-19 e a necessidade contínua de abordar guerras, potenciais novas pandemias e as drásticas mudanças climáticas.
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'Temos um Congresso comprometido com outras pautas que não o futuro do país”, critica cineasta Sandra Kogut
9/22/2025
A convite do Fórum das Imagens de Paris, a cineasta brasileira Sandra Kogut veio à capital francesa para exibir seu documentário “No Céu da Pátria Nesse Instante”, que retrata a crise política no Brasil durante a campanha às eleições de 2022 e os atos golpistas de 8 de janeiro do ano seguinte. Ela condenou duramente a aprovação da PEC da Blindagem e as articulações de deputados para aprovar uma anistia ou redução das penas aplicadas pelo STF contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado.
Adriana Moysés, da RFI em Paris
No longa “No Céu da Pátria Nesse Instante”, Sandra documenta os meses mais tensos da história política recente do Brasil. Ela lamenta que, enquanto parte da sociedade ainda comemorava o avanço da Justiça, com a condenação de Bolsonaro a 27 anos de prisão, o Congresso já se mobilizava para tentar reverter a decisão.
“A gente mal teve tempo de comemorar plenamente esse fato histórico. O Congresso já estava se articulando para tentar fazer essa anistia. É um momento bem complicado no Brasil, porque temos um Congresso completamente comprometido com outras pautas que não o futuro do país”, afirma.
Kogut destaca que o país paga, até hoje, o preço por não ter enfrentado devidamente os crimes da ditadura militar. Para ela, a condenação de Bolsonaro representa uma oportunidade única de o Brasil se comprometer de forma profunda com a democracia.
“O Brasil não foi capaz de fazer isso naquele momento e pagou um preço anos depois, porque ficou um pedaço da história mal resolvida. Agora, essa condenação é a oportunidade do país conseguir realmente se comprometer com a importância da democracia para garantir um presente e um futuro”, avalia.
A cineasta acredita que seu filme pode funcionar como resistência ao apagamento histórico promovido por setores do Congresso. “Mesmo na época em que eu estava fazendo o filme, a vontade de realizá-lo nasceu um pouco disso. As notícias eram tão inacreditáveis que você até esquecia o escândalo da semana anterior. Pensei: talvez, se colocarmos esses instantes lado a lado, seja mais fácil entender o que estamos vivendo”, explica. Para Kogut, o filme ganha novas camadas à medida que o tempo passa e mais fatos vêm à tona.
No documentário, o espectador acompanha personagens de diferentes regiões e espectros políticos do Brasil, mostrando realidades paralelas durante a crise democrática. Sandra Kogut destaca que o documentário não faz uma análise, mas mergulha na tensão e no medo vividos por todos, independentemente do lado político. O filme revela como pessoas com visões opostas consomem informações completamente diferentes e como é difícil criar diálogo entre esses mundos, mostrando a dificuldade de comunicação e compreensão mútua em um país polarizado.
Diálogo com outros países
O impacto da produção, segundo ela, é sentido tanto no Brasil quanto no exterior. “O filme é um pouco um ser vivo, porque registra um momento chave e vai ressoando de maneiras diferentes à medida que o tempo passa. Viajei um ano e meio com esse filme, fui para lugares muito diferentes – Coreia do Sul, Espanha, França. Eu chegava nesses lugares e percebia que aquilo dialogava diretamente com o que aquele país estava vivendo”, relata. Ela observa que o fenômeno da extrema direita e da desinformação não é exclusivo do Brasil, mas parte de uma corrente internacional que ameaça democracias consolidadas.
Kogut ressalta que o filme se diferencia por não ser uma análise fria, mas por acompanhar personagens comuns, o que facilita a identificação do público. “A política no dia a dia das pessoas, na escola, dentro de casa, na rua. Acho que as pessoas se reconhecem ali e reconhecem coisas que estão vendo acontecer em seus países”, diz.
'Não adianta cancelar'
Sobre o desafio da desinformação, a cineasta relata o impacto das campanhas articuladas nas redes sociais. “Era muito impressionante, porque para qualquer coisa que eu dissesse, alguém já tinha feito um vídeo para...
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