
Convidado - A viagem rumo ao oeste de Babetida Sadjo
RFI
De segunda a sexta-feira (ou, quando a actualidade o justifica, mesmo ao fim de semana), sob forma de entrevista, analisamos um dos temas em destaque na actualidade.
Episodes
RDC e M23 anunciam querer “trabalhar para concluir uma trégua” – O que mudou?
4/24/2025
O governo da República Democrática do Congo e o grupo rebelde M23 publicaram, esta quarta-feira, pela primeira vez, uma declaração conjunta na qual dizem querer “trabalhar para concluir uma trégua”. Sérgio Calundungo, coordenador do Observatório Político e Social de Angola, considera que se trata de “uma boa notícia” e que talvez seja o “prelúdio de que as partes directamente envolvidas no conflito se venham sentar à mesa”, mas avisa que não foram dadas garantias de que esta trégua não seja violada como tantas anteriormente anunciadas.
"Após discussões francas e construtivas, representantes da República Democrática do Congo (RDC) e do AFC/M23 concordaram em trabalhar para a conclusão de uma trégua", anunciaram o M23 e o governo da RDC em uma declaração conjunta transmitida, esta quarta-feira, pela televisão nacional congolesa e pelo porta-voz do M23.
O comunicado acrescenta que "ambas as partes reafirmam o seu compromisso com a cessação imediata das hostilidades", algo que pretendem respeitar "durante toda a duração das negociações e até sua conclusão".
Esta é “realmente uma boa notícia”, considera Sérgio Calundungo, coordenador do Observatório Político e Social de Angola, notando “talvez significar a compreensão das partes de que os conflitos ou as divergências que têm não podem ser resolvidas pela via da violência armada”.
O problema é que o texto não especifica se esse compromisso de interromper os combates no leste da RDC e negociar uma trégua permanente constitui uma declaração de princípios ou se será formalizado imediatamente. Algo também constatado por Sérgio Calundungo que guarda o lado optimista do anúncio, mas deixa reservas: “Quando se está no desespero, há uma ténue luz, porque até há bem pouco tempo não se falava sequer da oportunidade de conversações. Houve uma série de tentativas de pôr as partes a dialogar e, face às dinâmicas do conflito no terreno, ao eclodir da guerra, não havia nem sequer isto. Então, pode ser que seja o prelúdio de alguma tentativa de que as partes directamente envolvidas no conflito se venham sentar à mesa. É claro que o cessar-fogo e a disponibilidade para o diálogo é uma condição necessária, mas não é suficiente. Têm de acontecer outras questões.”
Quais as outras questões, então? Basicamente, “há muitos interesses económicos por detrás disto”, lembra o analista, falando em “instrumentalização política da desordem”. De facto, o leste da República Democrática do Congo, que faz fronteira com o Ruanda, é uma região rica em recursos naturais e minerais. Ruanda é acusada pela RDC de usar o M23, liderado por tutsis, para saquear as riquezas dessa região, mas Kigali nega e diz que a RDC aí protege um grupo armado criado por hútus ruandeses, as Forças Democráticas de Libertação do Ruanda, responsáveis pelo genocídio de tutsis em 1994. O leste da RDC é assolado por conflitos justamente há 30 anos, mas o M23 ressurgiu no final de 2021 e a crise intensificou-se nos últimos meses com o avanço do grupo armado para as cidades de Goma e Bukavu, na fronteira com o Ruanda.
“Há muitos interesses económicos por detrás disto. Era importante que também estes interesses fossem ou neutralizados ou, pelo menos, que se desse a transparência entre eles e dizer ‘Ok, podemos continuar a ter interesses económicos nessa região, mas vamos explorá-los num contexto de paz, não necessariamente a violência como um recurso para a melhor exploração dos minerais que existem na região’. Isto é que são as causas profundas do conflito. Tudo o resto, os avanços do M23, os discursos mais empolados, eu diria que são as causas dinâmicas, mas não necessariamente as causas profundas do próprio conflito. E é isto que ainda não se vislumbra: uma discussão à volta das grandes causas profundas que estão enraizadas naquela sociedade e quepermitem que o conflito tenha chegado a estes níveis”, acrescenta Sérgio Calundungo.
O que é que muda com este anúncio inesperado desta quarta-feira, em que os dois lados "concordam em trabalhar...
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Angola: MPLA “capturou o Estado e não é possível falar numa CNE independente”
4/23/2025
A reeleição do juiz Manuel Pereira da Silva para o cargo de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral de Angola está a ser contestada pela sociedade civil e pela UNITA, que fala numa escolha “eivada de ilegalidades”. Já o partido no poder, MPLA, afirma que esta escolha resulta “da lei”. António Ventura, jurista e director da Faculdade de Direito da Universidade Lusíada de Angola, reconhece que há motivos para considerar a reeleição do Presidente da CNE ilegal.
Há motivos para considerar ilegal a reeleição do juiz Manuel Pereira da Silva para o cargo de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral de Angola?
Sim, há motivos, em função do contexto em que são preparados os processos eleitorais em Angola. Quem está no poder, há todo este tempo, controla todos os instrumentos do poder e, consequentemente, a Comissão Eleitoral e as comissões provinciais. E, tendo a maioria no Parlamento, usa e abusa dessa maioria para introduzir leis cuja constitucionalidade é questionável e, muitas vezes, até para exercer maior controlo sobre a Comissão Nacional Eleitoral. Infelizmente, temos uma comissão eleitoral cujo modelo resulta de acordos políticos firmados em 1992. A representação é maioritariamente partidária. É certo que tivemos uma ligeira alteração, porque o número de votos e de assentos aumentou para a oposição, concretamente para a UNITA. No entanto, o MPLA entende que esta alteração substancial não pode ter impacto sobre o número de comissários indicados pelo partido e, por isso, introduziu um mecanismo de indicação de comissários, repartindo – com base em cálculos que só a maioria consegue explicar – a possibilidade de a UNITA indicar mais comissários, atribuindo essa mesma prerrogativa aos outros partidos da oposição.
Refere-se ao processo de concurso para a eleição do Presidente da CNE de Angola?
Não, refiro-me ainda à composição da Comissão Eleitoral. Todavia, realizou-se um concurso para o provimento do cargo de presidente da Comissão Nacional Eleitoral, liderado pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial, no qual foram anunciados os requisitos para o efeito. Propositadamente – esse é o nosso entendimento – foram introduzidos requisitos que já se sabia que iriam favorecer o actual Presidente da CNE.
Um concurso feito para beneficiar o Presidente da CNE?
Sim. Um dos requisitos, por exemplo, era o de que o candidato, para ser eleito, teria de ter experiência em processos eleitorais durante um longo período.
O que é o caso do juiz Manuel Pereira da Silva?
Exactamente. Ora, no nosso contexto legal, se o juiz ou a Comissão Nacional Eleitoral deve ser liderada por um juiz, não se pode exigir do juiz experiência em gestão de processos eleitorais. Quando o legislador optou por propor um juiz para liderar a Comissão Nacional Eleitoral, fê-lo porque entendeu que essa pessoa deveria possuir alguma independência, imparcialidade e uma actuação que não fosse permanentemente questionada no contexto das disputas políticas.
A UNITA, o principal partido da oposição em Angola, apresentou uma providência cautelar para tentar travar a tomada de posse do presidente da CNE, que, entretanto, foi indeferida pelo Tribunal Constitucional. Essa providência não tem fundamento jurídico?
A providência tem fundamento jurídico. O que sucede é que o Tribunal Constitucional, com todo o respeito pelos juízes que o integram, dificilmente decide a favor dos partidos da oposição. E, nesse quesito, a jurisprudência tem sido clara: o Tribunal Constitucional não “andou” bem.
O presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais e Jurídicos do Parlamento, António Paulo, do MPLA, afirmou que a escolha do presidente da Comissão Nacional Eleitoral e a tomada de posse pela Assembleia Nacional resultam da lei. O que é que isto quer dizer?
Resulta da lei, até aí não há dúvida. Mas trata-se de uma interpretação casuística e oportunista por parte dos deputados do MPLA. Porque se temos um processo que, desde o início, foi viciado para favorecer o actual presidente...
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Livro que abalou ditadura portuguesa tem nova tradução em França
4/22/2025
Mais de meio século depois da publicação do livro que abalou a ditadura portuguesa, “Novas Cartas Portuguesas”, de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, há uma nova edição em francês. “Nouvelles Lettres Portugaises” é uma tradução de Ilda Mendes dos Santos e Agnès Levécot e espera fazer redescobrir a intemporalidade de uma obra que foi revolucionária. A RFI conversou com Agnès Levécot neste programa.
“Eu acho que, naquela altura, em Portugal, não era nada estranho que este livro tivesse esse efeito de bomba”, contava à RFI, há um pouco mais de um ano, Maria Teresa Horta, uma das autoras das “Novas Cartas Portuguesas”, que nos recebeu, em sua casa, em Lisboa, nas vésperas dos 50 anos da Revolução dos Cravos e que nos deixou em Fevereiro de 2025, aos 87 anos.
A obra de Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, publicada em 1972, foi uma revolução literária e feminista que denunciou ao mundo o regime fascista português, o colonialismo, o racismo, o machismo, a violência sobre as mulheres, ao mesmo tempo que subvertiam as noções de autoria e de género na literatura.
A ditadura do Estado Novo considerou o livro como “insanavelmente pornográfico e atentatório da moral pública”, abrindo um processo judicial contra as escritoras que ficaramameaçadas com uma pena entre seis meses a dois anos de prisão. Seguiu-se uma onda de solidariedade internacional e o livro chegou a todo o mundo, incluindo a França, onde em 1974 é publicada a tradução de Monique Wittig e Evelyne Le Garrec.
Mais de meio século depois, e perante uma edição há muito esgotada, surge agora nova tradução, “Nouvelles Lettres Portugaises”, de Ilda Mendes dos Santos e Agnès Levécot, editado pela Ypsilon, que chega às livrarias francesas a 7 de Maio e que é apresentada esta sexta-feira, 25 de Abril, em Paris.
Fomos conversar com Agnès Levécot para perceber “o que podem [ainda] as palavras” das Três Marias.
“Essa é uma pergunta complicada porque as próprias escritoras, as três, no fim do livro, ainda fazem a pergunta. Realmente um dos aspectos literários desta obra é o questionamento do acto da escrita e até ao fim, nas últimas cartas, elas continuam a pôr a questão ‘o que podem as palavras?’ Quanto a nós, como tradutoras, chegámos à conclusão também que todos os aspectos políticos e históricos que são denunciados nas cartas continuam actuais. Esse é o problema. A questão do colonialismo continua actual. A questão da repressão continua. A questão feminista também. Estamos a ver, no mundo actual, um retrocesso em relação a esse aspecto. Portanto, continua completamente actual”, explica Agnès Levécot.
Em plena ditadura, “Novas Cartas Portuguesas” era uma obra literária inédita que esbatia noções de autoria e de género e que era assinada colectivamente por três autoras que escreviam, sem tabus, sobre o corpo, o desejo, mas também sobre a violência de que eram vítimas as mulheres. Denunciavam, ainda, a guerra colonial, a pobreza, a emigração, a violação sexual, o incesto, o aborto clandestino. O livro era, assim, um perigo para o regime repressivo, retrógrado e fascista português. Pouco após o seu lançamento, em 1972, os exemplares foram recolhidos pela censura e o Estado português movia um processo judicial contra as “Três Marias”. Perante as ameaças de prisão e a tentativa de silenciamento das autoras, nasce um movimento de solidariedade internacional. Meses depois de ter sido publicado, em 1972, o livro chega às mãos da escritora francesa Christiane Rochefort e, através dela, ao grupo feminista Movimento de Libertação das Mulheres. Seguem-se várias acções de luta, nomeadamente em França, e que envolvem nomes como Simone de Beauvoir e Marguerite Duras. Há distribuição de panfletos, recolha de assinaturas para um abaixo-assinado entregue na Embaixada de Portugal em Paris e uma procissão de velas diante da Catedral de Notre-Dame. Outro momento emblemático é a leitura-espectáculo “La Nuit des Femmes”, a 21 de Outubro de...
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Papa Francisco foi "o pai, amigo e avô" que “provocou e exortou a Humanidade”
4/21/2025
O cardeal Américo Aguiar é um dos quatro cardeais portugueses que vão participar no conclave para a eleição do sucessor do Papa Francisco e espera que o escolhido dê continuidade ao legado de “fraternidade” que Francisco deixou. O mais jovem cardeal português diz que o Papa Francisco deu atenção às pessoas e às periferias mais diversas, que “provocou e exortou a Humanidade” com as suas mensagens e recorda-o como “um pai, um amigo e um avô” que se deliciou com pastéis de Belém na Jornada Mundial da Juventude em Lisboa.
RFI: Qual é o legado que deixa o Papa Francisco?
Cardeal Américo Aguiar: “A palavra que resume o pontificado, o legado, é ‘fraternidade’. Ou seja, o Papa Francisco, neste seu pontificado, desde 2013, provocou, convidou, exortou, sensibilizou a humanidade toda ao gosto de nos redescobrirmos verdadeiramente, irmãos. Que o outro, a outra, que é de outro país, que é de outra religião, que é de outra raça, que é de outra proveniência, que é de outra sensibilidade, que tem gostos diversos, não é um problema, nem um obstáculo, nem uma ameaça, é um irmão. Sendo um irmão, somos todos irmãos e todos juntos somos capazes de fazer o que for necessário para a felicidade e para a alegria de “todos, todos, todos”, como nos ensinou o Papa Francisco em Lisboa. É, por isso, que eu acho que o grande legado, acima de tudo, a grande herança com que ficámos todos, cristãos, católicos, não crentes, é este desafio, a redescoberta desta fraternidade universal.”
Essa mensagem de fraternidade não foi um pouco manchada por algumas críticas. É que o Papa Francisco suscitou tanto fervor, quantas críticas… Quais foram as medidas que, se calhar, mudaram uma página no Vaticano?
“O que o Papa Francisco nos propôs, o que o Papa Bento XVI nos propunha, o que o nosso querido e saudoso Papa João Paulo II também nos propôs, foi sempre o Evangelho e o Evangelho, já no tempo de Jesus, teve as consequências que teve. Eu acredito que cada homem, cada mulher, cada crente, cada homem e mulher de boa vontade, em cada circunstância, faz uma leitura dos acontecimentos e reage e adere ou não adere àquilo que são as propostas.
O Papa Francisco foi-nos acompanhando, foi-nos provocando para esse caminho. Há coisas que ficaram resolvidas e decididas, outras que não, mas sempre naquilo que ele nos pedia que aprendêssemos com o estilo sinodal, ou seja, ouvirmo-nos todos uns aos outros, cada um tem uma opinião, cada um tem uma sensibilidade e, depois, escolhermos em conjunto aquilo que possa ser o caminho comum, apesar daquilo que nos torna diferenciados, por ventura. Esse é o desafio maior que nós temos pela frente.
É óbvio que nestes 13 anos, quer na Igreja, quer fora da Igreja, há homens e mulheres que entenderam de modo diferente, sentem de modo diferente, mas isso nunca é problema, isso é a riqueza da diversidade dos filhos de Deus.”
O combate aos abusos sexuais no seio da Igreja Católica foi uma das suas bandeiras. Foi uma luta que deu frutos?
“Eu acredito, creio e sei que sim. Aliás, a situação que a sociedade, em geral, vive em relação à questão do abuso de menores não tem nada a ver com o antes. E ainda bem. Por exemplo, falando da situação de Portugal, o 2019 e depois de 2019, a situação é totalmente diferente. Nós aprendemos todos a colocar a vítima no lugar que lhe é devido, no respeito, na protecção, a fazer tudo para que nada se volte a repetir. Aquele slogan do Papa “tolerância zero” e “transparência total” fizeram caminho e fazem parte agora do quotidiano de todos.
Infelizmente ainda não está resolvido na totalidade, seja no contexto da Igreja, seja no contexto da sociedade, mas é um assunto que temos de continuar a acompanhar, sem distrações sequer.”
O Papa Francisco discursou sobre grupos marginalizados, sobre os refugiados, sobre a população LGBTQ+. Que peso é que estes discursos tiveram e podem continuar a ter? Haverá uma continuidade no seio do Vaticano?
“Se eu falei há bocadinho de fraternidade, naquilo que significa a palavra legado,...
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Papa Francisco "deu o seu contributo para melhorar a Igreja"
4/21/2025
O Papa Francisco faleceu esta segunda-feira, aos 88 anos, um mês depois de ter tido alta de um internamento que durou cerca de cinco semanas, devido a uma pneumonia dupla. Em 2013, o Papa Francisco foi o primeiro jesuíta a chegar à liderança da Igreja Católica, o primeiro Papa não europeu em mais de 1200 anos, e o primeiro oriundo do hemisfério sul, da Argentina. Durante o seu pontificado de 12 anos, o Sumo Pontífice — conhecido como o Papa da periferia — tentou dar sinais de modernidade à instituição, reformando a Cúria, combatendo os abusos sexuais cometidos na Igreja, e entreabrindo as portas aos divorciados e homossexuais. Decisões que motivaram críticas por parte dos sectores mais conservadores da Igreja. Em entrevista à RFI, Dom Arlindo Furtado, cardeal de Cabo Verde, afirma que o Papa Francisco deu o seu contributo para melhorar a Igreja, que precisava de uma profunda reforma.
Como é que recebeu a notícia da morte do Papa Francisco?
Era expectável, mas, devido à sua presença permanente junto do público — e mesmo ontem, na celebração da Páscoa — esperava que esse acontecimento viesse mais tarde. Foi uma surpresa, por causa disso, mas parece-me que ele estava consciente do fim derradeiro. A visita que fez a Santa Maria Maior e à Basílica de São Pedro, horas antes do início da cerimónia da Vigília Pascal, dá a impressão de que queria despedir-se.
Há duas coisas que me parecem importantes de dizer: o Papa Francisco cumpriu a sua missão até ao fim e morreu no momento em que a Igreja celebra a ressurreição de Jesus Cristo.
Doze anos de pontificado. Um Papa jesuíta, argentino, que sempre teve um comportamento modesto. Que herança deixa este Papa?
[O Papa Francisco] procurou dar à Igreja o seu devido carácter, a sua personalidade. A Igreja é de Jesus Cristo, e deve viver ao estilo do Mestre, ou seja: "Aquilo que Eu faço, vós também deveis fazer". O Papa, sendo jesuíta e profundo conhecedor de Jesus Cristo, procurou também, nesse aspecto, seguir o exemplo, com simplicidade, despojamento, pobreza, generosidade e atenção a todos. Porque Cristo assumiu a humanidade de todos, e quer salvar a todos.
Mostrar que ser católico é estar no mundo com o mundo?
Ser católico é estar no mundo com todos, mas sempre em peregrinação rumo à Pátria. Portanto, estar no mundo, vivendo os valores da humanidade, mas com orientação para a nossa Pátria definitiva, segundo Jesus nos ensinou.
O Papa Francisco escolheu visitar a República Centro-Africana e nunca veio a Paris. Ele, que era conhecido como o Papa da periferia. Que mensagem pretendia passar?
A atitude dele é muito simples: aqueles que estão no centro, sempre estiveram no centro — podem continuar no centro. Mas aqueles que estão na periferia precisam também de estar mais ao centro. É também uma questão de justiça, de igualdade, de sentido, de nós sermos uma só família, uma só comunidade. É preciso promover os que estão mais em baixo, para que possam alcançar, pelo menos, um nível de mediania.
O pontificado de Francisco fica ainda marcado pelo escândalo Vatileaks, que revelou corrupção. O Sumo Pontífice levou a cabo uma reforma da Cúria, reforma que lhe valeu alguns inimigos no seio da Igreja…
Sim. Em todo o lado, ele falava muito de modernidade. Também dentro da Igreja, onde está o ser humano, há mundanidade, há prevalência da tentação. O Papa tentou reformar a Igreja, reformar a Cúria, para que fosse uma estrutura ao serviço do Evangelho, da missão da Igreja, para além dos interesses privados ou pessoais.
Foi o que procurou fazer. Mas nós sabemos que o próprio Jesus Cristo não escapou à traição, porque, no grupo de apóstolos que escolheu, também houve traidores.
A Igreja não está imune a essas coisas, mas deve estar atenta, para que aconteçam o menos possível ou, se possível, sejam evitadas, prevenidas, para que a Igreja corresponda mais à imagem de uma família de gente de bem, ao serviço de todos. À imagem de Jesus Cristo. O Papa deu o seu contributo para melhorar a situação da...
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Comissão de historiadores é “primeiro passo” perante “dívida odiosa” imposta por França ao Haiti
4/18/2025
A indemnização colossal imposta pela França ao Haiti, em 1825, como preço a pagar pelo reconhecimento da sua independência, foi descrita, esta quinta-feira, como “força injusta da História” pelo Presidente francês. Emmanuel Macron anunciou a criação de uma comissão de historiadores franceses e haitianos para estudar “o impacto” da “pesada indemnização financeira” e para fazerem “recomendações” aos dois países. Trata-se de “um primeiro passo”, mas também de uma forma de a Presidência francesa “passar a batata quente” aos historiadores, considera o investigador especialista no Haiti, Rafael Lucas, o nosso convidado desta sexta-feira.
Uma comissão de historiadores franceses e haitianos vai estudar “o impacto” da “pesada indemnização financeira” que o Haiti teve de pagar a França para esta reconhecer a sua independência, há 200 anos. O anúncio foi feito, esta quinta-feira, pelo Presidente francês. Em comunicado, Emmanuel Macron reconheceu “a força injusta da História” a que o Haiti foi sujeito e disse que os historiadores farão “recomendações” aos dois países “para tirar lições e construir um futuro mais pacífico”.
“A 17 de Abril de 1825, o rei de França, Carlos X, reconhecia a independência do Haiti, impondo-lhe um pesado fardo. Apesar da conquista efectiva da sua liberdade, em 1804, pelas armas e pelo sangue, o último rei de França, em troca do reconhecimento e do fim das hostilidades, submetia o povo do Haiti a uma muito pesada indemnização financeira, cujo pagamento iria acontecer durante décadas. Esta decisão punha um preço à liberdade de uma jovem Nação, que era assim confrontada, desde a sua constituição, com a força injusta da História”, lê-se no comunicado da Presidência francesa.
O documento não menciona qualquer reparação financeira por parte de França, mas adianta que os historiadores farão “recomendações” aos dois países. Note-se que, em 2003, o antigo Presidente haitiano, Jean-Bertrand Aristide, avaliou a dívida a 21,7 mil milhões de dólares, algo então descrito como “anacrónico” pelo governo francês.
Rafael Lucas, investigador e especialista do Haiti e das Caraíbas, considera que devolver dinheiro a um país marcado por uma “corrupção endémica” não é a melhor solução e que se deve é ajudar a construir as infra-estruturas do país mais pobre das Américas e assim ajudar directamente a população.
“Pessoalmente, acho que devolver dinheiro, no estado de corrupção endémica que há no Haiti, não seria a melhor solução. Eu não sou o único a preferir uma compensação em termos de ajuda em construção de infra-estruturas, sobretudo, estradas, escolas, hospitais, electricidade porque essas construções iriam beneficiar imediatamente a população, ao passo que o dinheiro quando entra no Estado não se sabe para onde vai, nem como vai ser repartido”, defende o investigador.
Quanto à comissão de historiadores, o professor universitário de origem haitiana fala em “primeiro passo”, mas também diz que é uma forma de a Presidência francesa “passar a batata quente” aos historiadores.
“Acho que a criação dessa comissão faz parte das tácticas ou procedimentos habituais, quando um problema é candente, delicado e explosivo. Estou a pensar na expressão familiar ‘passar a batata quente’ para uma comissão de historiadores. Isto permite ganhar tempo, mas, ao mesmo tempo, no estado actual da situação caótica do Haiti, em que não há nenhum representante legal no Governo, nem o Parlamento, nem os ministérios, não há nenhuma estrutura legal e legítima por enquanto, já que 80 por cento da capital está sob o controlo dos bandidos (…) Mas é uma iniciativa que abre perspectivas, é um primeiro passo”, afirma Rafael Lucas.
Todos os haitianos conhecem a história da "dívida dupla". É a história de uma indemnização colossal imposta em 1825 pela França como preço a pagar pela própria liberdade. Após a proclamação da independência em 1804, nascida de uma revolta dos escravos, o recém-país é sujeito a um isolamento de todo o continente americano e acaba por...
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Angola: Lei contra fakenews é uma "tentativa de limitar as liberdades"
4/17/2025
O executivo angolano quer criminalizar a disseminação de informações falsas na internet, com penas entre um e dez anos de prisão. A medida vem expressa na proposta de Lei sobre a Disseminação de Informações Falsas na Internet. Um enquadramento legal que, segundo Cesaltina Abreu, investigadora independente em ciências sociais e humanidades, representa mais uma tentativa de limitar as liberdades de expressão e de informação no país. Cesaltina Abreu afirma ainda que, se o objectivo é combater as notícias falsas, o Governo devia começar por regular os órgãos de comunicação públicos, que a investigadora acusa de serem os principais agentes de desinformação no país.
O que prevê esta proposta de Lei do Ministério que tutela a Comunicação Social em Angola?
Esta proposta de lei insere-se no âmbito de um conjunto de medidas que vêm sendo tomadas e que, de alguma forma, visam o reforço da segurança do Estado em Angola e a preparação para 2027.
Refere-se ao período eleitoral…
Sim. Vários cenários estão a ser preparados para 2027. Desde a criação de impossibilidades, como é o caso, aparentemente, da nova divisão político-administrativa, e uma série de outros aspectos que visam, de facto, criminalizar, usando o respaldo da implementação destas disposições da Lei Maior, da Constituição da República de Angola, para defender todas essas leis.
A iniciativa legislativa afirma que a Constituição da República de Angola salvaguarda as liberdades de expressão e de informação de todos os cidadãos, respeitando os limites do direito de todos ao bom nome. É disto que se trata, ou estamos diante de uma tentativa de limitar as liberdades de expressão e de informação?
Sim, mais uma tentativa que deve ser percebida. Esse “todos” não existe, assim como não existe esse respeito pelos direitos. Basta ver as classificações de Angola no que se refere aos índices de democracia. As pessoas sabem que a classificação de Angola no índice de democracia do jornal The Economist, em 2024, deveu-se à conquista de mais espaço cívico, espaço público, uma conquista da sociedade civil, dos angolanos, e não uma concessão da parte do Governo. Foi uma conquista das pessoas que não desistem de lutar pelos seus direitos.
O Governo angolano diz que está a registar um acentuado número de notícias falsas no actual contexto nacional e internacional, associado ao elevado crescimento tecnológico. Estamos aqui a falar, nomeadamente, da inteligência artificial. Esta realidade não justifica a existência de um novo quadro legal?
Esta é uma situação que afeta todos os países, mais uns do que outros, mas é uma realidade mundial com a qual vamos ter de lidar. Se tivermos ambientes democráticos, com inclusão, não haverá necessidade de recorrer ao uso de fake news. No entanto, parece que [esta proposta de lei] é mais uma iniciativa no âmbito de muitas outras. Refiro-me à lei das ONGs, da Segurança de Estado, no ano passado, à lei da vandalização dos bens públicos ou à criação de um instituto que vai supervisionar as acções das comunidades (...). Não há nos registos de actividades criminais, relacionados com terrorismo, nenhuma referência às actividades de ONGs ou de grupos de cidadãos. Existem, sim, registos de empresas que estão associadas ao poder.
A revisão da lei eleitoral, onde já existe a intenção de retirar as actas, as actas simples, o instrumento que usámos nas eleições passadas para poder ir acompanhando os resultados à medida que a eleição ia acontecendo. A sensação que temos é que isto é um atentado às liberdades individuais das pessoas e que, se o objectivo for combater a desinformação, então o Governo que olhe para si próprio e que pergunte até que ponto não é o Governo, enquanto entidade colectiva, e os meios de comunicação social públicos que são os principais agentes da desinformação.
O Governo considera que este diploma pretende fortalecer o processo democrático através do combate à desinformação, e desencorajar a utilização de contas falsas para acabar com a...
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"Precisamos de encontrar a paz definitiva em Angola, nos termos da Constituição"
4/16/2025
A Frente de Libertação do Estado de Cabinda (FLEC-FAC) declarou um cessar-fogo unilateral até 14 de Junho de 2025, em resposta à proposta da UNITA de levar a questão de Cabinda ao Parlamento. A trégua visa criar condições para o diálogo com o governo angolano. Em resposta, o secretário do Bureau Político do MPLA para a Informação, Esteves Hilário, afirmou à RFI "não haver conflito armado no norte do país". A vice-presidente da bancada parlamentar da UNITA, Navita Ngolo, defende uma resolução para pôr fim às hostilidades e garantir autonomia à província, através de um processo inclusivo e pacífico.
Quais são os pontos centrais que compõem a proposta da UNITA que pretende apresentar ao parlamento sobre esta questão de Cabinda?
Navita Ngolo: Tal como acompanhamos, a comunidade internacional e nacional, o grupo Parlamentar da UNITA realizou as 12ªs Jornadas Parlamentares em Cabinda, de 25 a 30 de Março, e, na sequência, o grupo parlamentar da UNITA, no âmbito daquilo que é a situação político-militar daquela parcela de território, propôs que vai submeter à Assembleia Nacional um projecto de resolução que exija a paralisação definitiva das hostilidades militares em Cabinda. Porque constatamos que as populações de várias zonas da província de Cabinda vivem com medo, vivem numa situação em que têm de abandonar as suas zonas de vivência por causa da instabilidade militar que ainda decorre entre as forças angolanas e as forças da FLEC.
Pelo que, no nosso ponto de vista, esta é uma matéria sobre a qual o parlamento se deve pronunciar, numa altura em que o país, no seu geral, está há 23 anos em paz militar, sobretudo. E, portanto, é importante que, mais do que sermos mediadores de outros conflitos, como o exemplo dos Grandes Lagos, do Congo, precisamos de encontrar a paz definitiva para todo o território angolano, nos termos da actual Constituição.
É nesta lógica que nós entendemos que o grupo parlamentar da UNITA deve ter essa iniciativa, apresentá-la ao parlamento para que o parlamento discuta a situação real militar de Cabinda e se encontre uma solução pacífica, de negociações, de diálogo - um diálogo não para humilhar, não para ver quem ganha ou quem perde, mas um diálogo que facilite e devolva a paz a Cabinda.
O grupo parlamentar da UNITA apresentou um projecto de lei sobre autonomia local, numa espécie de autarquia supra-municipal para Cabinda, que pode sim, senhor, mitigar algumas fontes de conflitos, dando àquela parcela a autonomia política, administrativa e financeira. E acho que é nessa lógica que vem o comunicado da FLEC de poder também participar, de poder acompanhar este processo que vai ser tratado pela Assembleia Nacional, sob proposta do grupo parlamentar da UNITA.
Quando está prevista a apresentação dessa proposta no parlamento?
Nós vamos ter agora uma plenária no dia 23. A partir do dia 1 até ao dia 23, o grupo parlamentar da UNITA vai levar ao conhecimento público, nacional e internacional, todos os trâmites sobre estes dois documentos: sobre a questão pacífica de se encontrar a paz e também o projecto de lei sobre autonomia local de Cabinda. Estamos agora a fechar a fase das contribuições da sociedade civil, para que a sociedade de Cabinda possa fechar o projecto e remetê-lo à Assembleia Nacional.
E pergunto-lhe, senhora deputada, considera que há vontade política suficiente por parte do MPLA, partido no poder, do executivo, para aceitar um diálogo inclusivo com Cabinda?
Depois do filme que vi ontem na TPA, em que, fruto do comunicado da FLEC, fruto daquilo que são as propostas do grupo parlamentar da UNITA, foi apresentada uma citação de pessoas supostamente dissidentes da FLEC... Eu, sinceramente, falando sobre a vontade política do MPLA, penso que esta vontade não ultrapassa [certos limites], mas o grupo parlamentar da UNITA, a UNITA, a sua liderança, na pessoa do presidente Adalberto Costa Júnior, está a encetar contacto com a sociedade, com as igrejas. Vamos fazer a nossa parte, tal como nos...
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" A China comunista aparece como defensora do liberalismo económico"
4/15/2025
O Vietname e a China assinaram nesta terça-feira,15 de Abril, 45 acordos de cooperação em áreas como a inteligência artificial, comércio agrícola e cooperação aduaneira, durante uma visita a Hanói do Presidente chinês. Xi Jinping está a realizar um périplo pelo Sudeste Asiático, que o vai levar também à Malásia e ao Camboja, depois da guerra comercial lançada pelo Presidente dos EUA, Donald Trump. Em entrevista à RFI, Luís Tomé, professor catedrático e investigador sénior do Instituto Português de Relações Internacionais, refere que esta deslocação é uma manobra política de Xi Jinping, numa altura em que a China comunista aparece como defensora da globalização e do liberalismo económico.
O que pretende o Presidente chinês, Xi Jinping, com este périplo pelo Sudeste Asiático?
Em primeiro lugar, ao que se sabe, estamos a falar da primeira saída de Xi Jinpind do país este ano. Aliás, ele estava para fazer uma visita ao Vietname, antes do anúncio das tarifas alfandegárias, depois houve um adiamento, e agora, para além do Vietname, vai também à Malásia, que tem a presidência anual da Associação das Nações do Sudeste Asiático – ASEAN – e ao Camboja.
Estamos a falar de vizinhos, mas é evidente que se trata de uma manobra do Presidente Xi Jinping para cultivar laços com o grupo ASEAN, aproveitando o facto de estes países – parceiros dos Estados Unidos – estarem numa posição desconfortável, porque são visados pelas tarifas anunciadas pelo Presidente Trump. O Vietname, por exemplo, tem uma tarifa de 46%, sabendo-se que nos últimos anos as exportações do Vietname para os Estados Unidos aumentaram consideravelmente.
Esta visita acontece, como já aqui falou, depois do Presidente Donald Trump ter avançado com taxas alfandegárias contra vários países, nomeadamente a China. O que representa o mercado do Sudeste Asiático para a China?
A China é o maior parceiro comercial do conjunto dos dez países que constituem a ASEAN, assim como os países da União Europeia são, igualmente, um parceiro comercial significativo para a República Popular da China. Agora, a questão das tarifas não se coloca apenas do ponto de vista comercial. É evidente que alguns países, por exemplo, europeus ou vizinhos da China, incluindo o Japão, a Coreia do Sul e os países do Sudeste Asiático, têm algum receio de que o gigantismo da China, com a sua capacidade de produção e tecnológica, faça disparar ainda mais a dependência destes países face Pequim. Se porventura, uma das manobras de diversificação das suas exportações, para fazer face às tarifas impostas pelos Estados Unidos, for inundar outros mercados.
Essas preocupações existem. Mas agora, uma das mensagens principais de Xi Jinping é a da estabilidade da China, apresentando-a como um país fiável. A China não faz bullying com os seus parceiros, ao contrário dos Estados Unidos. E ainda por cima, a China joga, na narrativa do Presidente Xi Jinping, sempre na lógica do “win-win”, ou seja, nos ganhos mútuos. Portanto, não é a lógica da América.
O Presidente chinês defendeu que a guerra das taxas alfandegárias não beneficia ninguém e que o protecionismo não leva a lado nenhum. Trata-se de mais um aviso para Donald Trump?
Sim, mas isso é uma verdade “lapalisse”. Isto é, numa guerra de tarifas, é evidente que todos perdem. A questão é saber quem perde mais, sabendo que a China não está a passar propriamente pela melhor fase do seu desenvolvimento económico, desde a saída do Covid. Não é apenas com o comércio que a China se preocupa, e Xi Jinping tem essa noção.
Mas é muito interessante como, em contraponto com o protecionismo e unilateralismo dos Estados Unidos, a China -oficialmente comunista- aparece como a grande defensora da globalização e do liberalismo económico. A China quer salvaguardar e tem enviado essas mensagens, não apenas para os países da região, mas também para a União Europeia, a globalização económica, as regras da ordem económica – que os Estados Unidos construíram – e quer salvaguardar a...
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Liga denuncia tentativa de detenção de Bubacar Turé pelas forças de segurança
4/14/2025
A Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH) deu esta segunda-feira, 14 de Abril, uma conferência de imprensa para denunciar "a onda de perseguição, intimidação e tentativa de detenção arbitrária do Presidente da LGDH, Bubacar Turé, pelas forças de segurança" da Guiné-Bissau. O jurista e membro do colectivo de advogados da LGDH, Fodé Mané, descreve a perseguição como uma forma de calar a crítica.
RFI: O que é que está a acontecer com Bubacar Touré? Como é que avalia a actual situação dos direitos humanos na Guiné-Bissau.
Fodé Mané: Quero confirmar toda a informação que avançaram na introdução [da entrevista] sobre a situação da sua casa, a montagem de um aparato de agentes de segurança no Porto de Bissau e nas principais artérias da cidade, tendo em conta que foram no sábado e não o encontraram. Presumo que ele esteja fora da cidade e eles querem capturá-lo na sua saída. Isso é verdade, mas também está, sem dúvida, relacionado com as declarações feitas por ele sobre a situação da saúde em geral. Porque não falou apenas da hemodiálise. Ele falou sobre a venda de medicamentos, que deveriam ser utilizados gratuitamente para tratar os pacientes. [Bubacar Turé] falou também das cobranças ilícitas nas maternidades, principalmente para a realização de exames em mulheres grávidas. E, por fim, deu ênfase à situação da hemodiálise, porque houve informações de que os técnicos deveriam ter três meses de formação, mas voltaram no fim do mês. Além disso, devido à forma como o centro está a funcionar, em termos de análise prévia e selecção das pessoas que irão fazer a regularização, a estatística produzida deve ser investigada para se estabelecer ou não o nexo de causalidade entre as mortes e a qualidade da formação docente, com o objectivo de esclarecer se as denúncias que surgiram nos órgãos de comunicação são verdadeiras ou não. Assim, ele apelou para que a população confie no processo e que, se for o caso, sejam feitas as correções necessárias, pois ninguém ganha com o mau funcionamento dos serviços.
Ao revelar falhas no sistema de saúde, particularmente na hemodiálise, Bubacar Turé foi alvo de repressão. Como é que as organizações trabalham sabendo que existem riscos de repressão?
Eles sabem que a Liga dos Direitos Humanos e a Ordem dos Advogados são os últimos redutos dos cidadãos, onde eles recorrem no caso de violações desses direitos. O objectivo é atingir a voz mais crítica, para amedrontar quase toda a sociedade. Para nós, o colectivo de advogados, entendemos que não é apenas a questão da hemodiálise ou da saúde, mas que são questões muito importantes, porque não se pode falar de direito à vida sem saúde. Temos vindo a denunciar a grave situação, e os próprios técnicos de saúde também estão nessa linha, porque acompanhamos a chamada frente comum, que são os sindicatos da educação e da saúde.
Neste período, foi decretada uma greve, [com milhares] de técnicos retirados do sistema. Além disso, há cobranças e falta de cuidado, a prepotência do próprio ministro das Finanças em decidir quando alocar os fundos para os hospitais e os diferentes serviços do ministério da Saúde. Eu penso que esta atitude do governo, de perseguir os denunciantes, não é apoiada pela maioria dos técnicos de saúde. A maioria da população não se resume apenas a essas entidades, como a Ordem e as organizações, mas também à comunidade internacional, advogados e a África Ocidental, que já se pronunciaram. A sociedade simplesmente conhece este modus operandi.
Bubacar Touré está a ser ameaçado, a ser perseguido nesta altura?
Sim, sim. Não temos notícia do seu paradeiro. Sabemos que não foi detido ainda, de acordo com as informações que temos. Mas sabemos que os meios para sua detenção estão a ser reforçados. Não sabemos qual é o limite da ordem que foi dada para as pessoas encarregadas pela busca, mas, segundo conversas com a equipa que está a procurá-lo, disseram que estão a mando do Departamento de Informação e Acção Criminal, devido a uma queixa...
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“Outrar”: Volmir Cordeiro dança contra o confinamento do mundo
4/12/2025
O coreógrafo brasileiro Volmir Cordeiro apresentou o espectáculo “Outrar” na Ménagerie de Verre, em Paris, no âmbito do festival "Les Inaccoutumés". A peça surgiu de um convite da coreógrafa Lia Rodrigues, em 2021, em tempos de pandemia e é uma resposta ao confinamento a que o mundo foi confrontado e aos muros que continuam a erguer-se. Dançar passa a ser uma forma de se “outrar” - um neologismo criado por Fernando Pessoa para se “tornar outro” - mas também passa a ser uma ponte para quebrar barreiras e se chegar a tantos outros.
Foi no festival “Les Inaccoutumés” que Volmir Cordeiro apresentou o espectáculo “Outrar”, a 3, 4 e 5 de Abril, na Ménagerie de Verre, em Paris. O solo de 30 minutos foi criado em 2021 a partir de um convite da coreógrafa brasileira Lia Rodrigues e em resposta ao confinamento provocado pela pandemia de covid-19. Lia Rodrigues enviou uma carta aos seus bailarinos quando o mundo estava confinado e isolado. Volmir Cordeiro respondeu com este solo que se transformou numa ponte entre continentes, mas também numa ponte para os outros - os que o vêem e os que o habitam dentro de si. São os seus “heterónimos” que se manifestam nas dezenas de camadas de roupas, de cores e de texturas e que se declinam em múltiplos gestos, movimentos e emoções. Os seus “outros” inspiram-se em Fernando Pessoa e o título da peça - “Outrar” - também aí vai beber. Esses “outros” são, ainda, uma alegoria dos estados da Terra, do planeta feliz e despreocupado ao planeta que ameaça colapsar. Foi por aí que começámos a conversa, no final do espectáculo, numa sexta-feira, na Ménagerie de Verre, em Paris.
RFI: O que conta o espectáculo “Outrar”?
Volmir Cordeiro, Coreógrafo e bailarino: “Este espectáculo parte de uma ideia que seria aquela de como é que eu poderia personificar a Terra, como é que eu poderia imaginar a Terra como uma pessoa, a Terra de hoje e a Terra tal como ela estava no momento da pandemia porque este projecto nasce durante o confinamento.
Então, a questão da Terra, a questão do isolamento, foi muito importante e porque ela também parte da trilha sonora, que tem essa camada bastante cavernosa de uma gruta, que me deu muito essa imagem do que a gente estava vivendo naquele momento do confinamento e tudo o que a gente inventava dentro de um quadrado, dentro das nossas casas.
Eu decidi que estava dentro de um quadrado e eu tinha essa ideia de ser a Terra, a Terra doente, a Terra feliz, a Terra que ainda dá para salvar, que ainda pode ser salva, a Terra florida, a Terra fértil, a Terra “clown”, a Terra palhaça, a Terra que precisa de ajuda. Eu fui imaginando várias versões dessa Terra que eu ia encarnando.”
A Terra é personificada por si?
“É. Eu seria esse desejo, esse desejo de chegar grande, chegar caminhando, caminhando nesse chão que está estável por enquanto, mas que está tremendo porque essa vibração do som coloca o chão, o espaço a tremer. Esse instante quase que precede o colapso, essa ideia que a gente tinha de como é que a gente vai sair da pandemia, para onde é que a gente vai, qual é que vai ser a continuidade do mundo, como é que a gente vai mudar as nossas relações com a vida, com a natureza, connosco mesmos, para podermos continuar a existir.
Como a trilha sonora é cheia de variações, cheia de pássaros, cheia de crianças brincando, cheia de vidro quebrando, ela tem um monte de imagens que me foram alimentando e que têm essa ideia de 'outrar', de se transformar em outro. Por isso é que eu fui juntando camadas de figurinos, de saia, de roupa, de pijama, de cuecas, de tudo que eu encontrava, para também trazer essa ideia de que a Terra é feita de todos nós, é feita de vários elementos, de vários outros e que, portanto, dentro desse quadrado, dentro dessa dança, eu tinha que ficar eu mesmo outrando.”
Já vamos ao conceito de “outrar”, mas ainda em relação a si como Terra, o Volmir entra em palco ao som de uma tempestade e entra de uma forma muito vertical, como uma árvore que é abanada por essa...
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"Eu vi gente queimada com bombas de napalm!", Carlos Reis, antigo combatente do PAIGC
4/11/2025
Algumas das acções mais tenebrosas do regime ditatorial colonial português contra os que lutavam pela independência. - Amílcar Cabral, a sua ética, o seu contributo para a formação de um Estado democrático, e o lançamento, em Portugal, do livro "Da luta pela independência de Cabo Verde às saudades do futuro" (Ed. Rosa de Porcelana), da autoria de Carlos Reis, foram motes da primeira parte da entrevista com o autor, já emitida nas antenas da RFI.
Nesta segunda parte da entrevista à RFI, o antigo combatente e histórico do PAIGC fala-nos de algumas das acções mais tenebrosas da ditadura colonial contra aqueles que lutavam pela independência. Algumas acções nunca assumidas pelo regime ou sequer reveladas.
Entre outras situações, Carlos Reis lembra o ataque dos militares portugueses a uma delegação da ONU que visitava as regiões libertadas na Guiné-Bissau, os prisioneiros que eram metidos em aviões militares e lançados em alto-mar para desaparecerem ou os bombardeamentos de populações pelas tropas portuguesas e a utilização de bombas napalm.
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"Medidas do Governo devem beneficiar todos do moçambicanos e não apenas a Frelimo"
4/10/2025
A duas semanas de cumprir 100 dias de governação, o executivo do Presidente moçambicano Daniel Chapo executou menos de metade dos indicadores a que se tinha proposto cumprir. A esta realidade junta-se a insustentabilidade das finanças do país, com a dívida pública a atingir uma marca histórica de 14,3 mil milhões de euros e a pobreza a atingir 65% da população.
Em entrevista à RFI, André Mulengue, investigador do Centro para a Democracia e Desenvolvimento de Moçambique, dá nota negativa aos primeiros dias de governação do Presidente Daniel Chapo, defendendo que as medidas implementadas devem beneficiar todos os moçambicanos e não apenas os membros da Frelimo.
A duas semanas de cumprir 100 dias de governação, o executivo do Presidente moçambicano Daniel Chapo executou metade dos indicadores a que se tinha proposto cumprir. Que avaliação faz dos primeiros 100 dias de governação?
Na verdade, é menos da metade, uma vez que foram cumpridas apenas 48 medidas. A avaliação que fazemos é negativa. Já tínhamos alertado para o facto de as medidas do Presidente Daniel Chapo serem medidas completamente desfasadas da realidade do país, principalmente do contexto político, económico e social que o país está a atravessar.
É um balanço negativo porque, se não se cumpre aquilo a que se tinha proposto atingir nos primeiros 100 dias, é sinal de que não se vai cumprir com as promessas constantes do programa quinquenal do Governo nos próximos 5 anos.
A primeira-ministra, Benvinda Levy, faz outra análise e cita promessas feitas neste plano dos 100 dias, nomeadamente a criação do fundo de desenvolvimento económico local. Estas medidas, a seu ver, são importantes para o país?
A questão do Fundo de Desenvolvimento Local é discutível. Primeiro, é preciso haver fiscalização, para que possamos ver, de facto, se este indicador foi cumprido na sua plenitude. Depois, outra questão muito importante são os critérios para a atribuição deste fundo. Já tivemos, no passado, um fundo, programas com as mesmas características do que este, mas que eram usados para o clientelismo, para a compra de consciências. Portanto, havendo esta iniciativa, é preciso que seja uma iniciativa para beneficiar todos os moçambicanos e não para beneficiar os membros do partido.
As autoridades moçambicanas afirmam que estas medidas são para gerar mais postos de trabalho e rendimentos para os moçambicanos…
No passado, a experiência não foi boa e receamos que se faça o mesmo.
Porém, neste plano de acção, continuam por pagar as dívidas aos fornecedores de bens e serviços ao Estado, horas extras dos sectores da saúde e educação. Como é que se justifica este atraso nos pagamentos?
A questão do pagamento aos fornecedores do Estado, dos empresários, nem sequer devia fazer parte destes indicadores. É uma dívida antiga e que devia ter sido paga pelo anterior Governo. A meu ver, estas dívidas não deviam fazer parte deste plano de governação, pois neste momento há coisas mais importantes, estruturantes, que devem ser feitas em Moçambique. Por exemplo, a questão da pacificação do país, do diálogo genuíno e verdadeiro, deve ser a prioridade. Sem isso, todo o resto não vai acontecer. A economia não vai crescer se o país continuar instável.
Moçambique atingiu, pela primeira vez, a marca histórica de 1 trilião de meticais, ou seja, 14,3 mil milhões de euros em dívida pública. Segundo o balanço do plano económico e social de 2024. Como é que foi contraída esta dívida?
Veja, uma coisa interessante é que estes números, muitas vezes assustadores, aparecem sempre quando começa um novo Governo.
Está aqui a dizer que há uma certa desresponsabilização?
Estas dívidas, na sua maioria, não são contraídas para beneficiar o país. Por essa razão, penso ser importante perceber o que é que foi feito com esse dinheiro. As dívidas ocultas foram contraídas durante a governação do Presidente Armando Guebuza e não beneficiaram os moçambicanos, muito pelo contrário, agravaram a situação e a condição de vida...
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Tarifas americanas: "Estratégia arriscada com consequências imprevisíveis"
4/9/2025
Os Estados Unidos aplicaram esta quarta-feira, 9 de Abril, novos aumentos das taxas aduaneiras sobre produtos provenientes de quase 60 países. Em resposta a essa decisão, as bolsas de valores na Europa e na Ásia abriram em baixa. A guerra comercial iniciada por Donald Trump intensificou-se no sábado, quando o Presidente dos Estados Unidos impôs taxas aduaneiras a cerca de 100 países, incluindo grandes potências económicas, como a China e a União Europeia. "A estratégia é arriscada e pode ter consequências imprevisíveis", defende o economista e professor na Universidade de Paris Dauphine, Carlos Vinhas Pereira.
RFI: A guerra comercial iniciada por Donald Trump marca o fim da globalização, a seu ver?
Carlos Vinhas Pereira: Acho que não, não podemos dizer isso. Acho que é uma jogada do Presidente Trump, que quer, como anunciou, ou seja, ele está simplesmente a fazer o que anunciou na campanha das eleições. E está também, neste momento, a ver até onde os países do mundo, sejam eles na Ásia, sejam na Europa, podem ir. Estamos a ver que, aparentemente, há mais de 50 países que já pediram um encontro com os serviços do Trump para poder negociar um a um. Ou seja, é ele que o diz: fazer uma negociação sob medida, em função do país, em função do défice que um país tem com o outro. E, a partir daí, vamos ver, dentro de poucos dias, o resultado destas negociações, sabendo que, efectivamente, as bolsas têm que reagir e têm que antecipar. Um dia estão em baixa, outro dia estavam a subir, hoje já estão outra vez a baixar e, até se encontrar um equilíbrio, vai ser assim.
Já há consequências destas medidas. Até onde é que pode ir Donald Trump?
As consequências é de algumas empresas pararem completamente o negócio, as exportações para os Estados Unidos. Portanto, são perdas de 10, 20, 30% do volume de negócio, directamente. Estas são as consequências imediatas, consequências que estão a ser previstas. Há uma baixa, efectivamente, na taxa de crescimento, tanto da Ásia como da Europa, onde já se prevê uma baixa de 0,5% no crescimento, só impactado pelas medidas do Trump.
E para os Estados Unidos?
Para os Estados Unidos também é um pouco paradoxal. A estratégia, pelo menos do Trump, pelo menos foi o que ele anunciou, vai ser complicada no início. Ou seja, pode efectivamente perder em termos de taxa de crescimento e até haver uma subida da inflação, até ao momento em que toda a parte da industrialização e da fabricação seja feita a partir dos Estados Unidos. Ou seja, o objectivo dele é contrariar os fornecedores que estão fora e encorajar as empresas americanas a integrar a produção nos Estados Unidos, para poder criar empregos e, novamente, relançar a taxa de crescimento no país.
Mas isso é uma aposta a médio ou longo prazo?
É uma aposta, efetivamente. O que é dito é que, para poder industrializar novamente ou repatriar, são precisos entre cinco e sete anos.
Esta política, a seu ver, é uma ruptura com as políticas económicas liberais de Reagan e de Clinton, por exemplo, ou é uma continuidade disfarçada?
Podemos dizer que é uma marca de fábrica do Trump, que sempre pensou de uma maneira um pouco simplista: que bastava aumentar os direitos aduaneiros para poder, pelo menos para já, angariar fundos para os Estados Unidos. Isso é verdade. Eles vão angariar muitos fundos, e, a partir daí, iriam compensar os défices. É verdade que os Estados Unidos, neste momento, têm um défice que é um montante efectivamente muito importante. E eu acho que, em vez de estar a impor este tipo de negociações, podia ter falado antes e realmente não estar a alertar o mundo inteiro, a fazer panicar as bolsas, onde nós sabemos que há até muitos amigos dele que estão em causa. Ou seja, os grandes amigos do Trump perderam muitos biliões nestes dias por causa dele. O que podemos dizer também é que há um factor positivo, mesmo assim: é a baixa do petróleo, que vai permitir, até para nós todos no dia a dia, baixar o custo da energia, mas também - e o que ele também diz...
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“A pena de morte é usada sob o falso pretexto de que melhora a segurança pública”
4/8/2025
O relatório Pena de Morte 2024, da Amnistia Internacional, constata que as execuções a nível mundial atingiram, no ano passado, o valor mais elevado desde 2015, com mais de 1500 pessoas a serem executadas. A China, o Irão, a Arábia Saudita, o Iraque e o Iémen foram os países com maior número de execuções. O director de comunicação da secção portuguesa da Amnistia Internacional, Miguel Marujo, mostra-se preocupado com este aumento, sublinhando que há líderes a usarem a pena de morte com o falso pretexto de que melhora a segurança pública.
As execuções a nível mundial atingiram, em 2024, o valor mais elevado desde 2015, com mais de 1500 pessoas a serem executadas. A seu ver, quais são as causas deste aumento?
Este aumento parte de um grupo, apesar de tudo minoritário, de países que entende que a pena de morte é a solução. Aquilo que a Amnistia Internacional tem testemunhado são líderes a usarem a pena de morte sob o falso pretexto de que melhora a segurança pública ou incute medo na população. Podemos avaliar dois casos. Por um lado, os Estados Unidos, que têm registado uma tendência constante de aumento das execuções, desde o fim da pandemia da COP 19, invocando repetidamente a pena de morte como ferramenta para proteger as pessoas da criminalidade violenta. Donald Trump, por exemplo, tem feito esse discurso nas últimas semanas. Mas a questão é que isto é uma falsa narrativa, porque a pena de morte não tem um efeito dissuasor único sobre o crime. Por outro lado, em alguns países da região do Médio Oriente, verificamos que as sentenças de morte foram utilizadas para silenciar os defensores dos direitos humanos.
Quais são os países onde foram executadas mais pessoas?
O conjunto de países que executaram mais pessoas são a China, o Irão, a Arábia Saudita, o Iraque e o Iémen. À excepção da China, de facto, vemos aqui uma prevalência de países do Médio Oriente. Neste número de execuções, é também na China, na Coreia do Norte e no Vietname onde existe uma maior dificuldade para se conhecerem os números exactos. Aquilo que a Amnistia estima é que a China continua a ser o principal país do mundo a executar pessoas; Também na Coreia do Norte e no Vietname há o recurso extensivo à pena de morte, sem que haja dados fidedignos que possam apontar para um número de mortos que foram condenados à pena de morte.
Este relatório concluiu ainda que as crises em curso na Palestina e na Síria impediram a Amnistia Internacional de confirmar um número de execuções...
Sim, no fundo, os conflitos impediram que fosse possível atestar e confirmar a prática da pena de morte, quer na Palestina quer na Síria. Não há, de facto, dados seguros que possam levar a Amnistia a dizer que o número eventualmente apresentado de casos de pena de morte, de condenações à morte, quer na Palestina, quer na Síria.
No entanto, pelo segundo ano consecutivo, os países que fazem execuções mantiveram o número no ponto mais baixo de que há registo. Como é que se explica esta redução?
Esta redução deve-se ao facto de existir um movimento, em todo o mundo, favorável à abolição da pena de morte, de tornar as execuções um elemento fora da equação da justiça dos países. Este é o segundo ano consecutivo em que se regista o número mais baixo de que há memória, assinalando um afastamento de uma punição cruel, desumana e degradante. O que vemos é uma minoria de países a praticar a pena de morte e o dado preocupante é que estes 15 países, que praticam a pena de morte, fizeram-no mais. Ou seja, há menos países a executar a pena de morte, mas aqueles que aplicam estão a matar mais.
Os países “armam-se com a pena de morte”. É o caso do recém-eleito Presidente Donald Trump, que invocou, repetidamente, que a pena de morte é uma ferramenta para proteger as pessoas. Trata-se de uma afirmação que pode ter consequências graves?
Sim, é grave! É uma afirmação desumana e promove uma falsa narrativa de que a pena de morte tem um efeito dissuasor sobre o crime. Os estudos mostram que não é...
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Novos ataques terroristas espalham-se agora ao centro e Sul de Cabo Delgado
4/7/2025
Aldeias do distrito de Ancuabe, na província de Cabo Delgado, foram visadas por novos ataques terroristas em Moçambique. Estes ataques acontecem numa altura em que a Total anunciou o refinanciamento do seu mega projecto nesta região e enquadram-se no aumento da violênciadesde que Daniel Chapo disse que os grupos armados estavam em debandada, como indicou Abdul Tavares, Coordenador Provincial para Cabo Delgado do CDD-Centro Para Democracia e Direitos Humanos de Moçambique, em entrevista à RFI.
Em Moçambique, novos ataques em Ancaube fizeram pelo menos três mortos e provocaram a partida de cerca de 500 famílias, totalizando mais 1.500 deslocados em Cabo Delgado devido ao terrorismo. Este ataque já foi confirmado e segundo Abdul Tavares, coordenador provincial de Cabo Delgado do CDD-Centro para Democracia e Direitos Humanos, estes ataques inscrevem-se na multiplicação dos ataques no centro e Sul da região após a chegada ao poder do novo Presidente, Daniel Chapo.
"Estes ataques não começaram exatamente depois do anúncio do financiamento para a Total para o projecto de gás natural há uns dias. Eles começaram desde o momento em que houve o anúncio na tomada de posse do actual Presidente, de que os insurgentes ou os terroristas estavam em debandada. Sempre houve pequenos ataques, sobretudo na Estrada Nacional A380, atacando camiões de comerciantes que abasteciam alimentos ou produtos alimentares para a região Norte da província de Cabo Delgado. E desde lá, os ataques foram subindo e, para além da região Norte, passaram também para a região mais a Sul e centro da província de Cabo Delgado, como os distritos de Bolama e agora no distrito de Ancaube", explicou o activista.
Este alargamento do perímetro de ataques pode ficar a dever-se ao combate permanente entre as forças militares moçambicanas, auxiliadas pelos ruandeses, ou pela necessidade da diversificação das fontes de financiamento destes movimentos terroristas que atacam agora os garimpeiros ilegais que fazem propecção de ouro naquelas regiões.
"Pode-se dar o facto de que os terroristas realmente estejam em debandada depois dos ataques que sofreram por parte das Forças Armadas moçambicanas e também por parte das forças do Ruanda. Isso pode explicar a sua deslocação mais para o centro e Sul da província de Cabo Delgado. Por outro lado, esses ataques podem ser explicados pelo facto de eles se calhar terem encontrado mesmo uma nova rota de ataques. Por exemplo, se formos a ver os ataques que eles fizeram no princípio deste ano, foi em regiões onde existiam garimpeiros ilegais que estavam à procura de ouro. Não se sabe se eles estão à procura de novas fontes de financiamento. Sabe-se que eles se alimentam da economia informal, sobretudo do garimpo ilegal, da venda de madeira e outro negócios ilícitos", indicou Abdul Tavares.
Entretanto, os recrutamentos forçados na região continuam, com a população de deslocados também a aumentar. Só em 2024, pelo menos 349 pessoas morreram em ataques de grupos extremistas islâmicos no norte de Moçambique, um aumento de 36% face ao ano anterior, segundo estudo divulgado pelo Centro de Estudos Estratégicos de África (ACSS), uma instituição académica do Departamento de Defesa do Governo norte-americano.
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50 anos da independência de Cabo Verde no cartaz do Festival de Avignon
4/5/2025
A 79ª edição do Festival de Avignon foi apresentada esta quinta-feira, 3 de Abril, no Instituto do Mundo Árabe, em Paris. O director do Festival de Avignon, Tiago Rodrigues, destaca a qualidade artística de Marlene Monteiro Freitas, primeira cabo-verdiana a abrir o Festival de Avignon. Espera que o português seja futuramente a língua convidada, mas não quer impô-la. Sobre o árabe, língua homenageada, reforça a sua importância histórica e cultural, defendendo a valorização artística desta língua apesar das complexidades políticas associadas.
RFI: É a primeira vez que uma artista cabo-verdiana abre este festival e pergunto: Porquê esta escolha?
Tiago Rodrigues: Em primeiro lugar, não pela sua nacionalidade, mas pela tremenda qualidade artística do trabalho de Marlene Monteiro Freitas, que é já uma coreógrafa que contribuiu para mudar o rumo da dança contemporânea. Eu costumo dizer, em Portugal, onde a Marlene também trabalha muito e onde conheci o trabalho da Marlene, que em Portugal, se falarmos de teatro e de dança, de artes performativas, se alguma vez eu for, eu, o Tiago Rodrigues, recordado nalgum livro sobre as artes performativas deste tempo que estamos a viver, serei recordado como um desses artistas que trabalhava também no tempo de Marlene Monteiro Freitas. Acho-a absolutamente genial e sem exagero nenhum, acho verdadeiramente uma das grandes artistas do nosso tempo. A isso acresce o grande orgulho que temos, que está ligado, aí sim, à sua nacionalidade. O facto de ser, pela primeira vez, uma cabo-verdiana que abre a Cour d'Honneur du Palais des Papes, esse espaço mítico, lendário do festival e que abre esta 79ª edição do Festival de Avignon. Já era tempo de que uma grande diva cabo-verdiana viesse e, como já era tempo, decidimos que viessem duas. Vem a Marlene do lado da dança e vem logo a seguir a Mayra Andrade do lado da música.
A língua portuguesa vai fazer parte desta edição do Festival de Avignon, uma vez mais, com nomes como já falámos: Marlene Monteiro Freitas, Mayra Andrade, Branko, Tiago Rodrigues, Jonas e Lander, e uma participação também de Moçambique no projecto "Transição Impossível". A língua portuguesa a fazer-se cada vez mais presente, a estar cada vez mais presente no festival, ou não?
Se a pergunta vai no sentido de querer saber quando é que a língua portuguesa será a língua convidada, esperemos que seja em breve. A língua portuguesa tem toda a qualidade nas artes performativas, seja em qualquer dos países de expressão portuguesa, seja europeu, sul-americano ou africano, para encontrar no Festival de Avignon um lugar para que esta língua seja celebrada. E espero poder ser eu, ainda enquanto director, a ter esse gesto de celebrar a língua portuguesa. Se não o fiz por enquanto, é porque acredito que não quero impor a minha língua como uma língua a ser celebrada, mesmo que isso prejudique ligeiramente ou adie ligeiramente a celebração inteiramente merecida da língua portuguesa.
Este ano, devo dizer que estamos muito contentes também por poder dizer que, pela primeira vez, duas cabo-verdianas estão na Cour d'Honneur du Palais des Papes na programação deste festival. A abrir este festival, precisamente no mês em que se celebram os 50 anos da independência de Cabo Verde e, embora seja uma coincidência artística, é uma coincidência artística que nós queremos afirmar. Porque estamos a falar de um país de enorme riqueza cultural, linguística também, que merece continuar a ser celebrado nos grandes palcos mundiais.
A língua árabe é a língua convidada, a quinta língua mais falada no mundo. A escolha do árabe porque reflecte um compromisso de diversidade, mas também pelo que estamos a viver no mundo?
A escolha do árabe impunha-se como natural. É a quinta língua mais falada do mundo, a segunda mais falada em França, a seguir ao francês. Mas uma língua que, através dos séculos, é uma língua de transmissão, de tradução, de diálogo, de invenção e que, por exemplo, para nós, portugueses ou lusófonos, está...
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"Taxas põem em causa o sistema actual de comércio"
4/4/2025
Donald Trump anunciou esta quarta-feira novas taxas aduaneiras, que vão ser aplicadas a um vasto conjunto de países. O Presidente norte-americano anunciou igualmente taxas alfandegárias para vários Estados africanos como é o caso de taxas de 31% para a África do Sul ou 32% para Angola, entre outros. Para o economista Carlos Lopes, “a grande surpresa é que estas taxas são uma espécie de guerra comercial para o conjunto do mundo”, “que acabam por pôr em causa o sistema actual de comércio”.
Donald Trump anunciou esta quarta-feira à noite novas taxas aduaneiras, que vão ser aplicadas a um vasto conjunto de países. A China está no topo da lista, cujos produtos terão uma taxa de 34%, um valor que se acrescenta à taxa de 20% já aplicada, o que coloca os produtos chineses na barreira dos 54%. A União Europeia será alvo de uma taxa de 20%, o Reino Unido terá uma taxa de 10% e o Japão de 24%.
O continente africano não fica de fora deste “dia da libertação”, o Presidente norte-americano anunciou igualmente taxas alfandegárias para vários Estados africanos como é o caso de taxas de 31% para a África do Sul ou 32% para Angola, entre outros.
Para o economista Carlos Lopes, “a grande surpresa é que estas taxas são uma espécie de guerra comercial para o conjunto do mundo”, “que acabam por pôr em causa o sistema actual do comércio”. O docente na Universidade do Cabo, África do Sul, acrescenta que os Estados Unidos vão sofrer “grandes repercussões” com estas medidas que “não tem nada a ver com a economia actual, globalizada e integrada”, reflectindo decisões “mais de fundo ideológico do que de fundo racional”.
RFI: Quais são as consequências destas taxas para o continente africano?
Carlos Lopes, economista: A grande surpresa é que estas taxas são uma espécie de guerra comercial para o conjunto do mundo. Se fosse em relação a determinado número de países ou uma região em específico, seria uma conjuntura um bocado diferente.
O que as taxas acabam por pôr em causa é o sistema actual do comércio, porque os Estados Unidos tiveram uma influência muito grande na criação, primeiro no acordo que precede a Organização Mundial do Comércio, que é o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) e, segundo, durante a vigência da OMC, foi o país que mais colaborou para uma globalização através do comércio. Portanto, a partir do momento em que aplica estas taxas a todos os países do mundo, perde um pouco não só a sua liderança, mas também mostra que vai ter uma certa hostilidade em relação ao sistema que ele próprio criou.
Mas estamos aqui no início de uma nova ordem mundial do comércio?
Sem dúvida, mas é preciso também aceitar que algumas linhas de contestação do comércio, tal como ele vinha sendo desenvolvido, já estavam em curso. Isto não é um apanágio apenas dos Estados Unidos. A Europa também introduziu medidas unilaterais, invocando razões climáticas. Outros países também utilizaram formas de proteccionismo durante a pandemia. Ou seja, nós temos vindo a assistir a uma espécie de erosão das regras do comércio, tal como elas foram estabelecidas nos últimos 20 anos.
O que nós vemos agora é apenas uma aceleração do que era já uma tendência, uma tendência de contestação das regras do comércio. Fez-se em nome de um comércio que fosse mais seguro e mais amigo do clima, mas na realidade já eram medidas proteccionistas que agora perdem um pouco a sua capa e a sua manipulação em termos de argumentos políticos e passam a ser aquilo que todos vêem, que é uma espécie de hostilidade comercial baseada na reciprocidade. Aliás, um conceito que, no caso dos Estados Unidos, tem uma interpretação muito peculiar, porque não é uma reciprocidade em termos de tarifas - embora sejam as tarifas o que é invocado - é uma reciprocidade em termos de balança comercial. Ou seja, um país que tem mais exportações para os Estados Unidos do que importações será punido. Isto é uma coisa absurda. Leva que o país que tem mais tarifas, a taxa mais elevada, seja um país com o Lesoto, um...
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O que esperar do novo acordo de migração laboral regulada em Portugal?
4/3/2025
Portugal tem um novo acordo para a migração laboral regulada. O objectivo é acelerar o processo de entrega dos vistos de trabalho para a contratação dos cidadãos estrangeiros com a promessa da emissão de vistos em 20 dias, a partir do momento em que o pedido seja feito no consulado e desde que sejam cumpridos vários requisitos por parte dos empregadores. Que vantagens e desvantagens? Ana Paula Costa, presidente da associação Casa do Brasil de Lisboa, considera positiva a desburocratização do processo de entrega de vistos, mas espera que haja suficiente fiscalização para evitar que os trabalhadores imigrantes sejam vistos como “propriedade da empresa” recrutadora.
RFI: Em que consiste este acordo?
Ana Paula Costa, Presidente da Casa do Brasil de Lisboa: “Eu posso explicar em linhas gerais, mas com base nas notícias que nós tivemos porque o acordo não foi divulgado ainda para a sociedade civil ler. Basicamente é um acordo para poder desburocratizar e facilitar a contratação de trabalhadores imigrantes ainda nos países de origem. Isso vai ser feito através das empresas. Tem uma série de regras que elas têm que cumprir, como ter contrato de trabalho e alojamento digno para as pessoas imigrantes. Depois, devem submeter o pedido para os consulados de Portugal nos países de origem. Esse pedido vai ser apreciado pela AIMA, que é a Agência para a Integração, Migrações e Asilo para dar um parecer. Depois, esse visto seria emitido num prazo de 20 dias."
Tem sido chamado de “via verde” para a imigração. Porquê?
"Imagino porque via verde é mais rápido. Aqui em Portugal nós quando usamos “a via verde” é porque o fluxo é menor e vai mais rápido. Então, eu imagino que tenha sido chamado de via verde por esse motivo porque nessa tentativa de desburocratizar e de facilitar a contratação, essa relação entre o empregador e o trabalhador imigrante ainda no país de origem, é uma forma de facilitar no sentido da rapidez porque os processos são muito morosos."
Quanto tempo demora habitualmente?
"Por exemplo, no caso do Brasil, o tempo de espera para os vistos de trabalho e vistos de procura de trabalho tem sido de um ano, um ano e meio. Então, se se reduzir esse tempo para vinte dias, por exemplo, é uma grande rapidez e desburocratização."
O ministro com a tutela das migrações, António Leitão Amaro, negou a expressão, disse que não era uma via verde para a imigração e acusou o anterior governo de ter deixado “a porta escancarada à imigração”. O acordo, na sua opinião, vai facilitar os vistos ou vai reforçar as regras de entrada?
"Pelo que eu percebo, vai facilitar os vistos porque nós temos um problema - e é um problema mesmo muito grave - que é a não emissão dos vistos de trabalho num tempo célere e a burocracia que é para se contratar uma pessoa imigrante no seu país de origem. Ainda é muito difícil, tem vários caminhos institucionais, envolvia o IEFP, os consulados, a direção consular. Então, aqui há uma série de questões institucionais que também criavam essa burocracia, essa barreira. O facto de criar uma possibilidade de que os vistos sejam emitidos com maior celeridade, vinte dias, é positivo porque a forma mais segura de imigrar é com visto e, neste caso, a possibilidade de já vir com visto e com condições de trabalho que sejam equivalentes a esse visto, era fundamental."
Que aspectos a preocupam neste acordo?
"Nós temos preocupação a nível da precarização do trabalho e de como é que vai ser fiscalizado esse trabalho contratado pelas empresas directamente no país de origem e todo esse processo burocrático. O que não pode acontecer, do nosso ponto de vista, é que uma vez a empresa pedindo visto, dando as condições de habitação, por exemplo, para esse trabalhador, que esse trabalhador seja de pertencimento único e exclusivo da empresa. E se ele se quiser demitir, como é que isso vai acontecer? Vão ser respeitados os direitos do trabalho? Essa relação, como é que ela se vai dar? Porque todos os direitos do trabalhador têm que ser...
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“É um acordo que não resolve o essencial dos problemas que existem na imigração”
4/3/2025
Portugal tem um novo acordo para a migração laboral regulada. O objectivo é acelerar o processo de entrega dos vistos de trabalho para a contratação dos cidadãos estrangeiros. Que vantagens e desvantagens? O especialista das migrações Rui Pena Pires diz que “é um acordo que não resolve o essencial dos problemas que existem na imigração” e não vê garantias sobre um recrutamento seguro para os trabalhadores, alertando para a existência de agências de contrabando de pessoas nos países de origem. Por outro lado, o sociólogo teme que os imigrantes fiquem “amarrados” à empresa recrutadora e que os seus direitos não sejam garantidos. A seu ver, a solução para resolver a imigração irregular passa por aumentar, e muito, a emissão de vistos, mas - diz - “o sistema não funciona”.
RFI: Como vê este acordo de migração laboral?
Rui Pena Pires, especialista em migrações: "É um acordo que não resolve o essencial dos problemas que existem na imigração, na regulação da imigração em Portugal. O problema principal que existe é que nós não temos um sistema de vistos que funcione. Foi essa, aliás, a razão porque a certa altura se abusou da figura da “manifestação de interesse”, que era uma forma de regularizar imigrantes que já estavam em Portugal, sem os documentos necessários para trabalhar. Nunca se passaram mais de 3.000 vistos de trabalho por ano em Portugal. Ora, 3.000 vistos de trabalho é uma gota de água naquilo que é o fluxo normal de imigração para Portugal."
Qual é esse fluxo?
"O que seria normal em Portugal era termos um fluxo de imigração da ordem das 40.000 a 60.000 pessoas, quando saem de Portugal cerca de 65.000 pessoas por ano - em média, até um pouco mais, depende se fizermos a média com os anos de maior emigração, quando foi a crise das dívidas soberanas. O que é normal num país que tem a sua natalidade em declínio é que a imigração, pelo menos, cubra - se não totalmente, em grande parte - a emigração, compense a emigração."
Então quantos imigrantes é que entram por ano em Portugal?
"Em média, neste século, têm entrado um terço dos que tem saído. Nós temos um défice demográfico que não é só o resultado do declínio da natalidade, é também o resultado do saldo migratório negativo na maior parte dos anos em Portugal.
É verdade que, nos últimos anos, esse saldo migratório deixou de ser negativo, mas os dados são um bocadinho difíceis de analisar porque como se passou a usar a manifestação de interesse em vez do visto, a manifestação de interesse é feita por pessoas que já cá estão. Ou seja, o facto de num ano ter não sei quantas mil manifestações de interesse não diz quantas pessoas é que nesse ano entraram em Portugal. E depois, como ela demora dois a três anos a ser despachada, quando no final eu tenho autorizações de residência, eu tenho autorizações de residência para pessoas que tanto podem ter entrado nesse ano como há quatro anos.
Ou seja, neste momento é muito difícil sabermos quantas pessoas na realidade estão a entrar em Portugal por ano, embora desde o Covid, o saldo migratório tem sido positivo. Quanto positivo é que é mais difícil de medir."
Se o saldo migratório nem é assim tão positivo, o que é que justifica que haja um discurso anti-imigração, ainda mais em períodos eleitorais?
"Por um lado, há uma tentativa de aproveitar a questão da imigração para competir eleitoralmente com a extrema-direita. É um problema que existiu em vários países da Europa, Portugal não é o único, a ideia de que se combate a extrema-direita se se conseguir adoptar alguns dos seus temas, mesmo que de uma forma mais moderada.
A história de que há imigração a mais em Portugal é recorrente. Mais ou menos de dez em dez anos, o discurso político sobre a imigração é de que há imigrantes a mais. Como já tivemos muito menos imigrantes do que agora, há sempre uma descoincidência grande entre o discurso e a realidade.
É verdade que, nos últimos anos, a imigração aumentou muito. Também é verdade que uma parte das manifestações de interesse -...
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